90 quilômetros de conversa.

Antes dos aplicativos já havia as cidades. Todos os problemas que resolvemos hoje com alguns cliques já existiam. A gente tinha que se locomover, comer, localizar-se e se comunicar. como hoje Com a tecnologia, essas questões passaram a ter uma resolução mais prática e confortável. Hoje, se você quiser ir a algum lugar, basta chamar um carro que ele irá  ao seu encontro onde você estiver. Bateu aquela fome? É só pedir seu prato preferido pelo aplicativo e em alguns minutos ele estará servido. Ir ao banco e enfrentar filas se tornou uma coisa tão remota que nem parece ter um dia feito parte de nossas vidas. Aliás, fila é o que não mais enfrentamos quando queremos ir a algum evento: basta acessar um aplicativo e em poucos minutos o ingresso estará em nossos celulares. E usar orelhão é coisa que muita gente talvez nem saiba como fazer.

 

“A gente ficou com medo do espaço público ao mesmo tempo que não enxergamos como um espaço nosso” Melina Alves

 

Mas essa é uma realidade que nem todo mundo tem acesso. Embora praticamente toda a população das cidades tenha um smartphone, nem todo mundo pode gozar da comodidade de seus serviços. O Uber, por exemplo, limita sua área de atendimento, evitando áreas que considera perigosas. O mesmo se dá com relação a outros aplicartivos que não saem do centro estendido.

Essa dificuldade de acesso às maravilhas confortáveis que a tecnologia digital oferece, são um reflexo das dificuldades enfrentadas diariamente pelas pessoas que vivem em regiões ditas periféricas das cidades, principalmente as de maior porte. São Paulo, por exemplo. A maior cidade da América do Sul, uma das maiores do mundo, possui bairros que o Uber não roda e a comida não chega pelas motos ou bicicletas. Assim como, o transporte público apresenta vários problemas, a segurança limita a circulação de pessoas por certos lugares a certos horários e a falta de áreas voltados para o lazer e cultura são um convite às cabeças  se tornarem, ou permanecerem, vazias – que como todos sabemos, é a oficina do diabo. A separação geográfica entre a população periférica e a central persiste, aumentando o abismo social existente nos centros urbanos.

Mais ou menos como era antes da chegada dos smartphones e seus aplicativos.

Pontes

Entender as necessidades de quem vive na periferia é uma prioridade das cidades como um todo. A integração de sua população via o conhecimento da realidade do próximo, é um processo urgente que não só irá integrar as pessoas que habitam uma mesa cidade, como poderá estimular o exercício da cidadania. É daí, desse olhar para o próximo que vive além de nossas bolhas, que poderemos iniciar de fato a empreitada das transformações de nossos centros urbanos, tornando-os de fato inteligentes.

Esse é o propósito do UXcity.

Via de mão dupla

Iniciativa da DUXcoworkers, o UXcity é um catalisador da evolução urbana inteligente a partir de um processo de transformação colaborativo e inovador, voltado aos seus cidadãos, que visa construir pontes entre os extremos existentes na sociedade moderna através da imersão interativa no ambiente urbano, tendo a própria cidade como meio de interação. Trocando em miúdos, é botar o povo pra andar pela cidade e bater papo sobre onde vivem, trocando ideias e experiências para que juntos possamos encontrar as soluções que nos afligem como um todo.

 

“O primeiro passo é deixar de pensar as pessoas por classe econômica”

Melina Alves

 

Porque é preciso olharmos as pessoas como gente. Somos todos seres humanos, independente de gênero, orientação sexual, raça, credo ou status social. Este último, em particular, tornou-se uma espécie de ditadura impulsionada por pesquisas encomendadas por grandes marcas que desenvolvem produtos e serviços voltados a públicos segmentados economicamente. É como se as classes  D e E não tivessem vontade de ir ao cinema ou ao teatro, nem a classe A usasse o banheiro e que toda a classe B e C almejasse justamente não precisar ir banheiro. As grandes marcas têm um papel fundamental nesse processo de aceitação das diferenças e equalização dos desejos, no sentido de desenvolver o consumo mais inteligente e agregador do que o simples comprar e descartar das coisas – que em última análise, serve apenas para uma satisfação passageira e posterior produção de lixo – pautado no exclusivismo.

Laboratório móvel

Mas para que sejamos capazes de promover o desenvolvimento humano e inteligente nas cidades, é preciso conhecê-las. E isso não se faz a partir de uma tela. É preciso estar nela fisicamente, em carne e osso, integrando sua paisagem e não a olhando como um observador distante ou um turista que ali está de passagem. E a melhor forma de fazer isso é passeando pelas ruas, avenidas e praças dos centros urbanos e conversando com as pessoas. Entender como funciona o dia a dia das regiões da cidade e como vivem seus habitantes. Sentir como as intempéries climáticas atuam na área, quais as dificuldades de locomoção que as pessoas enfrentam, os empecilhos de abrirem um negócio e poderem trabalhar perto de casa, e perceber no ar as deficiências da coleta de lixo e do saneamento básico. É essa vivência que o UXcity oferece, fazendo das pessoas pesquisadoras e personas das pesauisa, obtendo informações relevantes para a compreensão de realidades tão diferentes e posteriormente  formular de soluções inteligentes e humanas para serem testadas, aperfeiçoadas e estabelecidas.

Na boleia da Kombi

UXcity promove essa atividade, fazendo destes passeios uma forma de investigação da realidade urbana a partir de pontos de vista diferentes, sustentados pelas experiências e conhecimentos vividos pelas pessoas na própria cidade. Na última ação desta iniciativa, colocamos uma designer de experiências, um gestor cultural e uma especialista em sustentabilidade para atravessar a cidade de oeste a leste (e vice-versa). Você pode ouvir a conversa que rolou ao longo dos quase 90km de trajeto através do nosso podcast.

E vale muita a pena. Afinal, na Perua Kombi do Seu Vanderlei, estavam três figuras relevantes no que tange ao desenvolvimento de uma São Paulo mais inteligente e humana.

 

“Quando estivemos desenvolvendo um projeto urbano na Índia, percebemos que existe um certo bom senso no caos, que a gente olhando de fora não percebe. Porque eles têm o hábito do coletivo e do olhar no outro que reduz o impacto da dor” Melina Alves

 

A anfitriã do rolê e uma das idealizadoras do UXcity, Melina Alves por exemplo. Ela é fundadora da DUXcoworkers e pioneira no conceito de coworking no Brasil. Melina é uma defensora da utilização da inteligência coletiva como força motriz da inovação e incentivadora do trabalho colaborativo. Foi ela quem começou a trabalhar com UX quando tudo isso aqui era mato, introduzindo o processo criativo e produtivo focado na experiência do usuário para marcas do porte do Bradesco e Almapp BBDO. Melina levou nesse passeio o conhecimento que tem como designer de experiências.

 

“Ninguém se vê mais. É muito difícil ter esse encontro onde de fato a cidade se aprimora: através das trocas sociais” José Mauro Gnaspini

 

Outro bom motivo pra você ficar por dentro da conversa é José Mauro Gnaspini. Gestor cultural, Zé Mauro foi diretor e criador de inúmeros eventos da cidade trazendo sempre o olhar coletivo, fazendo da cultura uma catalisadora da inclusão social. Um dos mentores da Virada Cultural, evento que dirigiu por mais de uma década, e um dos autores do projeto que regulamenta o Carnaval de Rua de São Paulo, ele traz para conversa o olhar de quem vive a cultura desde suas entranhas burocráticas até o esplendor da exibição pública.

 

“Quando a gente fala em se ganhar dinheiro com o lixo, parece uma coisa suja. E na verdade não é. O lixo nada mais é do que aquilo que a gente consome dentro de casa” Roseli Machado

 

E por fim, mas não menos importante, Roseli Machado, fundadora do Instituo Ecconecta, ela presta consultoria a iniciativas voltadas à sustentabilidade, como as cooperativas de mulheres que recolhem lixo reciclável nas ruas. Roseli nos trouxe a visão de quem percebe a sustentabilidade como um processo que não se limita à preocupação com as áreas verdes, mas sim como uma necessidade produtiva e social que diz respeito às profissões do futuro e seu potencial em despertar na sociedade o olhar ao próximo. Palavras que há algum tempo ouvimos em qualquer conversa como empatia, colaboração, diversidade e inclusão, fazem parte de um processo sustentável que sedimenta todo um ecossistema urbano realmente inteligente. E reforçam o valor de cada uma de suas letras.

90 km de conversa sem um milímetro de papo furado

Parece muito, né? E é. Mas vale cada centímetro. Para que o conteúdo captado pelos nossos microfones fosse melhor absorvido, dividimos a viagem em três partes que compõem o segundo episódio da série O Futuro das Cidades (o primeiro você pode ouvir aqui). Foi a maneira que encontramos para que você ouça tranquilamente e sem tomar muito do seu tempo. Assim, entre um trecho e outro dessa travessia Oeste-Leste, de Perdizes a Cidade Tiradentes, você terá tempo para refletir e absorver a rica troca de ideias e experiências entre três especialistas que vivem e trabalham por uma cidade mais humana e inteligente. No final desse passeio, temos certeza de que você vai estar cheio de ideias. E quem sabe, não virá conosco no próximo rolê?

 

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