O sol por testemunha

Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) percebeu que a saúde do planeta já não era mais aquela. Pior: os desenvolvimentos econômico, ambiental e social apresentavam indicadores bastante pessimistas quanto ao futuro reservado às próximas gerações. Foi quando a Organização se sentou à mesa com seus 193 países membros e apresentou a Agenda 2030 com um plano que trazia metas para que os países pudessem alcançar o desenvolvimento sustentável até 2030. Nasciam os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Neste artigo, trataremos de um deles, justamente aquele que vem nos chamando a atenção: o Objetivo 7, que visa assegurar o acesso à energia de forma confiável, sustentável, moderna e com valores acessíveis a todos.

 

Ensolarado por natureza

O Brasil é o país que tem a maior incidência solar do mundo. Por estarmos situados próximos à linha do Equador e graças às características de translação do planeta, o sol nos atinge durante todo o ano com poucas variações ao longo das suas estações. São mais de três mil horas de brilho do sol anuais que nos oferecem a possibilidade energética diária que varia entre 4.500 e 6.300 Wh/m2.

Não é pouco. Para se ter uma ideia, a Alemanha recebe 40% a menos de sol que o Brasil, mas é um dos maiores geradores de energia a a partir dessa matriz energética em todo o mundo.  A propósito, a energia solar é a segunda maior fonte de energia limpa alemã (a primeira é a eólica) que nos últimos 11 anos aumentou 300 vezes sua produção a partir da geração residencial. O Brasil também deu um salto produtivo considerável e em 2019 a previsão é de que a geração de energia solar aumente 44%. Porém, embora esse crescimento seja relevante e o sol sempre dê as caras por aqui, a produção da energia fotovoltaica corresponde atualmente a mais ou menos 1%  da capacidade energética do país. Em 2027, se tudo der certo, chegaremos a 3%.

Enquanto isso, a Alemanha supre 95% de sua necessidade energética a partir de fontes renováveis, sendo 45,2 % desse montante vindo do sol.

O mesmo sol que incide mais aqui que lá. Muito mais.

 

Caminhos do sol

Os processos mais usuais de aproveitamento da luz solar para geração de eletricidade e de calor, são o fotovoltaico (FV), que converte a luz do sol em energia elétrica, o da luz solar por concentração (CSP – Concentrating Solar Power), que produz calor para uso direto ou geração de energia elétrica e o aproveitamento por meio de coletores, que realizam o aquecimento direto da água e/ou de ambientes a partir da luz do sol. No caso da conversão fotovoltaica da luz solar, temos dois formatos:

Geração Distribuída: utilizada em pequenos sistemas autônomos, próximos ao local de consumo ou no próprio estabelecimento consumidor.

Geração por Concentração: aproveitamento realizado por grandes centrais.

Ainda quanto a essa classificação, vale uma última observação: quando a produção de energia para qualquer fonte renovável de geração está abaixo de 75 kW, ela é classificada como microgeração, e quando está entre esse valor e 5 MW, temos a minigeração (Resolução Normativa ANEEL nº 687/15, complementar à 482/12)  No caso da microgeração, a distribuidora tem o prazo de 34 dias para conectar a instalação à rede, a contar do dia da solicitação.

Quando o Brasil é líder mundial em algo positivo, não aproveita sua liderança. É como se fôssemos campeões às avessas. 

Entre 2017 e 2018, a GD aumentou 127% enquanto a energia solar gerada pelas usinas cresceu 86%. Neste ano, os percentuais são de 125% contra 21%. O aumento se deu a partir de 2015, quando os valores das contas de luz do brasileiro subiram vertiginosamente e a busca por economia se tornou quase que uma necessidade.

Três anos antes, a ANEEL havia aprovado duas Resoluções Normativas 482 e 517, que estabeleceram as condições gerais para a microgeração de energia elétrica,  no que diz respeito à Geração Distribuída, além do sistema de compensação de energia elétrica. Nesse sistema, a energia excedente é cedida à distribuidora local e compensada posteriormente com o seu consumo de energia elétrica. Esses créditos não são transferíveis a outras pessoas (apenas a outras localidades que estejam na mesma área de concessão e sejam do mesmo dono) nem podem ser comercializados, e devem ser utilizados em até 60 meses. O processo promove apenas a troca de kWh entre o consumidor gerador e a distribuidora, não envolvendo a circulação de dinheiro.

Ou seja: quando uma pessoa se torna energeticamente autossustentável, ela é obrigada a ceder a energia que produz sem receber nada em troca.

 

Labirinto

Se você teve a curiosidade de clicar nos links referentes às resoluções normativas da ANEEL, pode ter se perdido facilmente em meio seu palavreado truncado que se espalha por artigos, parágrafos, incisos e outras muitas publicações legais que dificultam muito a compreensão das regras do jogo. Some a isso o insípido incentivo fiscal oferecido a quem está disposto a produzir energia elétrica a partir do sol e temos um quadro desanimador. Embora a Geração Distribuída de energia solar fotovoltaica tenha crescido muito nos últimos anos, ainda é muito pouco para um país com tanto sol.

Essa dificuldade incomoda muita gente, como Poliana Alves, sócia da DUXcoworkers. Advogada com mais de dez anos de experiência na área energética, ela não tem dúvida quanto ao principal culpado pelo baixo aproveitamento solar do brasileiro: a desinformação.

“Em todo segmento de negócio, a gente enfrenta a burocracia brasileira. É um entrave para nossa competitividade mundial, mas no caso específico da energia solar, é a regulamentação que impede o conhecimento. Ela é confusa, complicada e praticamente inacessível à maioria das pessoas”. Esse problema foi um dos motivos que levou Poliana a participar da Virada Sustentável de São Paulo, trazendo o evento para dentro da DUXcoworkers. “Esse assunto tem tudo a ver com a gente por abordar tecnologia, desenvolvimento sustentável, inovação e qualidade de vida”.

O interesse pelo assunto energético esbarra na dificuldade de entender as regras do jogo.

Outro ponto relevante nessa desinformação vem das próprias pessoas que têm a crença de que esse tipo de geração de energia é muito caro. Há alguns anos, o investimento feito na implementação de placas fotovoltaicas em residências levava entre oito e dez anos para ser recuperado. “Hoje, em dois anos esse investimento é recuperado. Levando em consideração que uma placa tem vida útil que pode chegar a 30 anos, as pessoas têm 28 de ganho”.

 

Desenvolvimento econômico sustentável

Além da autossuficiência energética, há um vasto campo a ser explorado em se tranado de energia solar. Aproveitando melhor seu potencial, o Brasil poderia exportar energia e desenvolver uma indústria forte e lucrativa na produção de placas fotovoltaicas. A China, maior produtor de energia solar do mundo, fabrica 60% dos painéis existentes no planeta.

“A gente precisa construir isso juntos”, salienta Poliana. “Por isso que a DUXcoworkers trouxe essa discussão e vamos fomenta-la por um tempo: ampliar o conhecimento das pessoas nesse assunto e a partir daí, fomentar debates para que o poder público escute as pessoas e melhore as condições para que todos possam ter seu painel solar sem complicações”.

A transferência da energia produzida pelas residências é um fator de destaque nessa discussão. A possibilidade das pessoas comercializarem a energia que não utilizam seria um elemento motivador. Na Alemanha, essa comercialização é legal e livre de tributação. Aqui, ela é ilegal e nada que diz respeito à energia tem relevantes incentivos fiscais. “Você poderia obter uma receita adicional ao seu salário, complementar sua aposentadoria ou doar seus créditos energéticos para uma instituição de caridade, por exemplo”. E ainda há o problema de custear as distribuidoras que, a rigor, n ão é algo injusto.

Mas impedir que eu use meus créditos para pagar esse custeio é. 

 

Escalada

A energia produzida por uma casa, por exemplo, é utilizada para satisfazer suas necessidades e o excedente vai para um grid da distribuidora que, no final do mês, emite um extrato informativo com sua produção e consumo. Daí vem os créditos que devem ser utilizados em 60 meses. Esses créditos servem apenas para o proprietário desta casa usar no pagamento da sua conta de luz. Mas se ele se torna autossuficiente, eles não servem para nada. Assim, a distribuidora fica com sua produção e ainda recebe pelo seu custeio. Por isso, é importante que se consulte especialistas do setor para que o sistema instalado seja adequado ao seu consumo, evitando um investimento desnecessário. Essa economia aumentaria a procura por painéis que entrariam em escala e reduziriam seus preços. Mas se pudéssemos fazer o que bem entendêssemos com o que produzimos, gerar mais energia do que a efetivamente utilizada seria um bom negócio. E não só para o proprietário do apinel,  mas para o planeta.

Em resumo, o que nos impede de ser uma potência solar é “a falta de conhecimento e um acesso mais fácil às informações pois para gerar uma demanda é preciso ter consciência. O segundo ponto é a distribuição. Isso tem mudado, o mercado brasileiro do setor tem crescido e a tendência é que esse crescimento chegue a 40% neste ano. Embora seja um aumento considerável, poderia ser maior. A maioria dos painéis são chineses e nossa infraestrutura para importação é bastante deficiente. Isso também poderia ser resolvido com investimento em pesquisa e desenvolvimento para que pudéssemos fabricar essas placas em com qualidade. É preciso que se dê escala a esse mercado”.

As maiores produtoras de energia solar no Brasil são uma usina italiana, uma francesa e uma britânica. Nenhuma brasileira.

Se os números que envolvem o crescimento da geração de energia fotovoltaica no Brasil são relevantes, eles não espelham necessariamente a melhor forma de desenvolvimento nesse segmento: “consumir a energia solar da distribuidora e de grandes usinas solares é uma avanço, mas o ideal é que cada um de nós fosse incentivado a produzir nossa própria energia”.

Este seria um desenvolvimento genuinamente sustentável.

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