O Health Innovation, que aconteceu no dia 27 de março, realizado pelo CMS Eventos e com o apoio da DUXcoworkers, abordou a importância da inteligência no uso de dados como um caminho para a melhora do sistema de saúde brasileiro.
Jeff Prestes, Valéria Queiroz, Bruno Sobral e o Doutor Leonardo Aguiar dividiram o palco para mostrar a uma plateia bastante heterogênea como o Blockchain está transformando os dados na mais valiosa moeda da saúde.
A assimetria da informação.
Para nos situarmos, Bruno Sobral traçou um rápido, porém completo, panorama do mercado da saúde no Brasil. Pelo que pudemos entender, no geral ele é bem diferente da chamada concorrência perfeita.
A princípio, foi ressaltado três pontos fundamentais deste nicho mercadológico que o difere do mercado de bens e serviços tangíveis: a natureza irregular e imprevisível de sua demanda (um mesmo sintoma pode apresentar diagnósticos diferentes), a existência de um intermediário entre o consumidor e o serviço (médico), e o seu resultado incerto (estar curado após um procedimento clínico não é garantido).
Normalmente, as pessoas não sabem muito bem o que estão comprando quando procuram um médico.
Outra característica desse mercado é a assimetria da informação. As partes envolvidas nunca estão em um mesmo nível de conhecimento. Se de um lado, os médicos detêm um conhecimento inatingível aos pacientes, de outro, estes sabem mais de sua própria condição que as operadoras de planos de saúde.
Essa assimetria gera uma desconfiança generalizada pois os pacientes não sabem até onde um médico pode chegar com seu bisturi para ganhar mais, nem os planos de saúde podem prever em que condições as pessoas os procuram para firmar um contrato.
Um dos reflexos dessa assimetria é a concentração hospitalar do mercado.
O paciente, em geral, não sabe lidar com inúmeros sintomas que sente por não ter o conhecimento clínico e, em última instância, não possuir seus próprios exames sempre à mão. Este desempoderamento o leva ao hospital pelos mais diversos motivos, muitas vezes banais.
No hospital ele encontra um modelo clínico desintegrado, formado por especialistas que tratam o corpo como partes distintas, embora esse corpo seja um sistema único, vivo e interligado. Assim, os pacientes pulam de uma consulta à outra sem saber exatamente como nem onde resolver o problema que os aflige.
Essa desintegração é acentuada pelo distanciamento entre hospitais e médicos que não raramente trabalham em mais de um local, atendendo pessoas que frequentemente não têm um histórico de saúde disponível, dificultando o acompanhamento clínico e o próprio entendimento do paciente quanto ao seu estado.
Tal assimetria causa a oneração do sistema de saúde devido, entre outros fatores, aos atendimentos desnecessários. A solução para essa disfunção pode estar no compartilhamento de dados.
Silos de dados.
Valéria Queiroz usou a imagem de silos para exemplificar o armazenamento de nossas informações clínicas.
Os dados dos pacientes estão espalhados em inúmeros silos (hospitais, laboratórios, operadoras de planos de saúde, farmácias, clínicas e por aí vai), que distribuem nossos exames por um sistema confuso e caótico de armazenamento de dados que dificulta nosso acesso, colocando-nos numa posição curiosa: embora digam respeito à nossa saúde, a propriedade dessas informações parece não nos pertencer.
Este cenário traz consequências que variam da longa espera em prontos socorros à morte do paciente por ignorância de seu histórico clínico. Num mundo ideal, cada um de nós teria acesso imediato a esses dados que permaneceriam sob nosso poder, protegidas por um sistema inviolável, anônimo e incorruptível.
Mas convenhamos que essa proposta mais parece um devaneio utópico de sonhadores inveterados do que uma realidade possível, certo?
Errado.
E é aí que está o pulo do gato.
Que bicho é esse?
Blockchain é uma palavra que se notabilizou com o boom do Bitcoin e acabou se vinculando de maneira praticamente inseparável à criptomoeda como um elemento que garantia a segurança de suas transações.
Mas afinal, que bicho é esse?
Jeff Prestes, quando iniciou o ciclo de palestras do Health Innovation, apresentou o Blockchain como uma cadeia de blocos de dados cujas identidades e autenticidades são preservados pela criptografia e por um método de verificação assegurado pelos próprios usuários.
O encadeamento desses blocos (block) acontece em uma plataforma online, mas desvinculada da World Wide Web . Se um dado for alterado, ele precisa da anuência de todos os membros da corrente (chain) que, de qualquer forma, mantém todo o histórico das informações contidas em cada bloco, permitindo sua verificação a qualquer tempo, por qualquer pessoa, tornando-se um sistema à prova de fraudes.
Em suma, Blockchain é uma plataforma de troca de dados P to P (Pessoa a Pessoa), que elimina os intermediários em qualquer transação que seja utilizado e, por ser inviolável, oferece algo bastante valorizado no ambiente digital: a confiança.
O Blockchain é, portanto, uma tecnologia que pode ser utilizada em qualquer tipo de troca de dados. Pode-se, inclusive, estabelecer uma cotação de valor pelos participantes do sistema.
Isso reflete a própria diversidade da natureza humana, vulnerabilizada por estruturas singulares que nos forçam muitas vezes a nos encaixarmos onde simplesmente não cabemos.
A Crise do Subprime de 2008 é um bom exemplo do quanto estamos à mercê de sistemas únicos. Iniciada nos EUA, ela abalou o sistema financeiro mundial e se alastrou por todo o planeta deixando um rastro de falências, dívidas impagáveis, desabrigados e lágrimas.
Se o planeta se vincula a uma única plataforma econômica (ou de qualquer outra coisa), um abalo afetará a todos, mesmo quem a princípio, nada tem a ver com isso. Esse tipo de formatação singular é mais eficiente que uma multifacetada, mas menos resiliente, como explicou Vanessa Queiroz.
Basta uma trinca no sistema para a casa de todo mundo cair.
Hoje vivemos um momento propício às transformações que nos levem à diversificação em todos os campos. Valéria também apontou a complexidade das relações humanas que se potencializaram com a WWW, abrindo a possibilidade de várias pessoas se comuniquem ao mesmo tempo, quebrando a linearidade do contato ao qual o planeta estava acostumado antes do início da Era Digital. Em um mundo que não é mais linear, é um absurdo que a moeda de troca tenha essa natureza.
E se assim é, por que não pensar em formas diferentes de lastros garantidores de valor?
E se usássemos a saúde como moeda?
My Health Data.
O My Health Data é uma plataforma aberta sem custos, definida como um repositório de dados médicos centrado no paciente e ancorada num sistema inviolável, anônimo e incorruptível, o Blockchain (nesse cenário, rebatizado como Healthchain).
Essa plataforma empodera os pacientes, rompe com os silos de dados e faz da multiplicidade de conexões promovidas pelos meios digitais, um aliado do sistema. Em posse de suas informações clínicas, os pacientes podem se comunicar livremente nessa complexa rede de relações formada por hospitais, médicos, clínicas, laboratórios, farmácias, operadoras de planos de saúde que, cientes das informações, passam a ter condições de melhor atender as pessoas.
O My Health Data aos pacientes a liberdade de escolha, a oportunidade do autoconhecimento.
Esse emporderamento gera reflexos revolucionários no sistema de saúde, promovendo a agilidade e eficiência no atendimento, maior assertividade nos tratamentos e redução de custos.
Assim, cada paciente se torna uma espécie de acionista num sistema que tem a saúde como base de valoração com a cotação embasada no que realmente importa: a vida das pessoas – e não na opinião de economistas, relatórios de instituições financeiras, oscilações políticas ou quebras de Subprimes.
Caso deseje saber mais sobre My Health Data, e este é um ótimo desejo, fale com a CEO do projeto, Valéria Queiroz.
UXcoffee.
A DUXcoworkers promoveu o engajamento das pessoas na discussão sobre a importância do My Health Data ser discutido numa esfera mais ampla através do UXcoffee.
Em um jogo de perguntas e provocações que distribuimos aos participantes do Helth Innovation, pudemos notar que há uma preocupação ética com a possibilidade do surgimento do comércio de dados promovido pelos pacientes .
Outro assunto presente foi a importância da inserção da saúde pública nessa plataforma, além do debate em torno da regulamentação do uso de dados e a necessidade das pessoas adotarem uma postura preventiva de sua saúde.
Não resta dúvidas que há um interesse crescente no assunto no que tange à implementar mudanças urgente no sistema de saúde brasileiro.Empoderamento dos pacientes.
Donos e portadores de seus dados de saúde, os pacientes podem fazer o que bem entenderem com eles: procurar o médico que quiser, doar, ou vender, essas informações para pesquisas, escolher melhor seu plano de saúde ou mesmo decidir por seguir sem qualquer amparo desse tipo, negociando suas consultas diretamente com os médicos.
Da mesma forma que os bancos levaram tudo o que fazíamos numa agência para dentro dos nossos celulares, os serviços de saúde também podem desenvolver atendimento remoto a problemas mais simples, redesenhando o que o Doutor Leonardo Aguiar chamou de jornadas do paciente e do médico. Isso, que já é realidade nos EUA, Canadá e alguns países da Europa, depende apenas de que os pacientes tenham a posse de seus dados clínicos e os compartilhe com seu médico.
Quando essas informações são compartilhados com institutos de pesquisas ou desenvolvedores vinculados à saúde, trazem infinitas possibilidades.
Doutor Aguiar ainda nos chamou a atenção para o fato de sermos clientes de planos de doença e não de saúde. A falta de indicadores que promovam a medicina preventiva, faz-nos procuramos o médico quando a doença já é uma realidade fatal.
A troca das informações clínicas poderá gerar esses indicadores que irão nos informar sobre como devemos nos portar para evitar males futuros. Se for detectado, por exemplo, que uma pessoa é pré-diabética ou apresenta tendência a sofrer de uma determinada enfermidade, o quadro poderá ser evitado, em muitos casos, com a simples mudança de hábitos, gerando economia à sociedade e desoneração do sistema de saúde.
Doutor Leonardo apresentou uma pesquisa que trazia um número alarmante: cada diabético dos EUA custa ao sistema de saúde US$55 mil a cada 10 anos. Se levarmos em conta que o Brasil tem mais de 40 milhões de pré-diabéticos que não fazem ideia dessa condição, fica fácil entender o tamanho do rombo que o sistema de saúde irá arcar no futuro.
Futuro que, aliás, já chegou.
E faz algum tempo.
Futuro presente.
O uso do Blockchain para o compartilhamento de informações de saúde é uma realidade em alguns países. A Internet of Things (IoT) já faz parte desse cenário, com o desenvolvimento de utensílios domésticos que ajudam as pessoas a cuidarem melhor de sua saúde.
Nos EUA, por exemplo, podemos encontrar um vaso sanitário que passa informações ao médico toda vez que é utilizado pelo seu dono, assegurando o monitoramento constante e o aprimorando o desenvolvimento da medicina preventiva.
A digitalização do sistema de saúde como um todo é outra realidade no exterior, e uma aposta para que o Brasil tenha substanciais avanços em seu sistema de saúde, afastando a real possibilidade de perder esse promissor mercado.
Muitos países já veem nessa troca de informação, a possibilidade de melhorar a vida das pessoas, gerando lucro e desenvolvimento tecnológico.
Mas uma Medida Provisória, que está prestes a ser votada na Congresso Nacional, permite que os dados de saúde dos pacientes sejam usados para pesquisa ou desenvolvimento de produtos, desde que autorizado por ele.
O objetivo da proibição é proteger as pessoas do mal uso de seus dados, principalmente no que tange à utilização indevida, feita à revelia de seu conhecimento.
Porém essa lei não impede a evasão de divisas nem protege o mercado brasileiro, podendo ser uma ponte de acesso à tecnologia e inovação do sistema de saúde, mas em outros países. compra de serviços médicos via aplicativos a US$1,00 já é uma realidade nos EUA. Se ideia do My Health Data é que a tecnologia do Blockchain permita ao seu usuário compartilhar seu histórico clínico com quem ele bem entender, por que não faria com um médico do exterior?
Da ponte pra cá.
Não é segredo para ninguém que o Brasil tem profundas deficiências sociais, culturais, políticas e econômicas que nos separa do mundo desenvolvido. Se o aperfeiçoamento do sistema de saúde não for acompanhado pela evolução desses outros campos, não dará origem a um sistema de saúde verdadeiramente democrático.
Não dá pra imaginar que boa parte da população brasileira, relegada à miséria e à ignorância, terá acesso à tecnologia em questão.
A falta de informação e de capacidade intelectual para entender o seu funcionamento, associada à impossibilidade financeira dessas pessoas contarem com dispositivos que comportem seu uso, apresenta uma realidade que está bem distante da vivida por países desenvolvidos.
A posse e livre uso dos dados de saúde será, de fato, um avanço significativo na vida dos brasileiros que possuem um nível de escolaridade e poder aquisitivo mais alto. Porém, como o impacto dessas melhorias irão atingir os menos abastados?
Não será mais real imaginarmos que os mais pobres, quando donos de seus históricos clínicos, optem por vendê-los para assegurar um reforço no orçamento? E se essas informações caírem nas mãos das operadoras dos planos de saúde?
A vida sofrida dessa parcela da população, levada à base da má alimentação, péssimas condições de higiene e ambientes de trabalho muitas vezes insalubres, deixam-nos mais vulneráveis às doenças. Com a saúde comprometida, o valor que deverão pagar pelo acesso a cuidados médicos será ainda mais alto, aumentando o abismo social que nos aflige há muito tempo.
“Fazemos essa provocação pois acreditamos que um país só pode ser saudável se o for por inteiro.”
Apoiamos o desenvolvimento tecnológico e melhorias propostas pelos desenvolvedores e pelas cabeças pensantes que sempre nos encantam com suas ideias e loucuras.
Não há dúvidas que o My Health Data é um projeto absolutamente inovador e fascinante. Mas é preciso levar em conta, sempre, que vivemos em um país desigual, onde a concentração de renda é um obstáculo ao desenvolvimento nacional.
Quanto mais trabalharmos para reduzir essas diferenças que nos separam, mais fortes e capazes seremos como um todo.
O resgate do bom médico.
Por outro lado, achamos que uso de tecnologias como o My Health Data é uma oportunidade de ouro para que a medicina volte a representar um porto seguro aos doentes, enfermos e população em geral.
A possibilidade das pessoas tratarem diretamente com o médico, cria uma relação de proximidade que só ouvimos nas histórias de nossos avós. Nesse sentido, a tecnologia vai além dos termos técnicos e de seus complexos procedimentos, humanizando a medicina e aproximando pessoas.
Nada pode ser mais nobre.