Conforme íamos nos afastando do confortável bairro de Perdizes, rumo a Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo, a paisagem nos indicava que aquele deslocamento ia além dos quilômetros rodados na Perua Kombi do UXcity. São Paulo, essa experiência urbana que “ninguém sabe ao certo onde vai dar”, como disse José Mauro Gnaspini, gestor cultural e um dos criadores da Virada Cultural, apresenta não só várias cidades dentro de uma só, como épocas que distanciam realidades cotidianas. Se Perdizes é um bairro em consonância com seu tempo e a Avenida Faria Lima, por exemplo, pode estar alguns anos a frente, a Zona Leste traz aspectos que remontam a décadas, ou até séculos passados.
Essa viagem no tempo alimentou conversas que passaram pela horizontalidade arquitetônica que gera reflexos nas relações sociais e trabalhistas que vivemos e a necessidade de se repensar a revitalização urbana, levando em conta afetividade das pessoas com o espaço público de forma a motivar o sentimento de pertencimento e propriedade conjunta e colaborativa desses locais. As cidades são de seus habitantes desde sua criação e esse fato precisa ser ressaltado. O Carnaval de Rua, por exemplo, um movimento popular e espontâneo que como tantos outros ganhou força a partir do engajamento popular despertado pela Virada Cultural, é um ótimo exemplo de como o poder público pode jogar ao lado da população, colocando seus anseios acima de qualquer outro interesse. Ao equiparar o carnaval às manifestações e não aos eventos, a Prefeitura de São Paulo regulamentou o carnaval de forma desburocratizada, privilegiando a ocupação do espaço público sem limites sociais. Um carnaval sem abadá é um carnaval sem classificação econômica, onde todos são igualmente foliões independente de sua classe social.
“Eu preciso construir mais um prédio? Ou a questão simbólica da visão ampla também é importante para o cidadão que não consegue enxergar além de alguns metros?” Melina Alves
A promoção do encontro de realidades tão distantes em um evento tão significativo para o Brasil é um colírio para uma época em que nos acostumamos à exclusividade, à pista premium, aos camarotes, aos convites VIP., ao tratamento diferenciado A partir desse contato é possível pensar uma cidade integrada no que tange a sua população como um todo e a compreensão da própria grandeza da diversidade em que estamos inseridos. Porque no fundo, somos todos seres humanos, com virtudes e defeitos, sonhos e frustrações, dividindo a má educação refletida no lixo dispensado tanto nas ruas da periferia como nas calçadas dos bairros nobres como em iniciativas de empreendedores “improváveis”, como a do Mexicano da Rua 7, um restaurante montado numa garagem da Zona Leste.
“Os bairros inteligentes têm que ser um local de empreendedorismo de inovação do potencial da região” Roseli Machado
O Mexicano da Rua 7, aliás, é um ótimo exemplo da capacidade criativa e empreendedora da periferia. E serve como inspiração que vai além dos seus limites regionais, alimentando sonhos de pessoas cujos cotidianos estão distantes da realidade periférica, mas desejam que todos vivam na mesma época e aproveitem o melhor do seu tempo.
Pessoas como a gente.
É importante salientar que são dessas conversas que surgem insights para o desenvolvimento de projetos urbanos. Projetos cuja inovação está em usar a tecnologia como um facilitador de interações humanas que possibilitem a melhoria da qualidade de vida para todos.
A seguir, passamos um rápido panorâma de iniciativas que se concretizaram a partir da troca de ideias e experiências em um rápido apanhado das realizações da DUXcoworkers através do UXcity.
A vitória do Dom Quixote
O UXcity, explicado no artigo anterior, vem executando projetos que tratam as cidades como meio de interação das pessoas, promovendo um melhor aproveitamento do espaço público, dos meios de locomoção, dos ambientes comerciais e de todo o ecossistema urbano. O case do Moinho Vera Cruz é um bom exemplo.
A zona leste de Juiz de Fora (MG), é uma região que enfrenta problemas semelhantes ao que encontramos na zona leste paulistana. São 200 mil pessoas que se dividem em 65 bairros carentes de entretenimento, comércio, cultura e com um sistema de transporte público que deixa muito a desejar. Mas o que fazer se tudo o que um habitante da ZL juiz-forana tem que fazer exige o seu deslocamento até a região central da cidade?
“Se fala muito em revitalização pensando o seu aspecto físico. Mas há a revitalização afetiva do espaço. Você não está consertando a calçada, está consertando o pertencimento, a sensação comunitária e social sobre aquele espaço” José Mauro Gnaspini
O Moinho Vera Cruz é um marco histórico da industrialização de Juiz de Fora que há muitos anos foi deixado de lado, como a população da região que o circunda. Situado num local estratégico da ligação Zona Leste – Centro da cidade, o Moinho vem sendo revitalizado de acordo com preceitos sustentáveis que seguem as orientações arquitetônicas de seu projeto inicial, mantendo as características históricas do Moinho. O projeto Moinho JK inclui o desenvolvimento de um centro urbano que alia saúde, convivência, serviços, habitação e entretenimento.
A DUXcoworkers é parte desse projeto, sendo responsável por pensar sua estrutura intelectual humana e tecnológica de modo a acrescentar valor à inteligência da cidade como um todo, pensando-a no longo prazo. O mobiliário urbano permanece por gerações em uma cidade, compondo não só sua paisagem física como a memória afetiva de seus habitantes. Através de pesquisas feitas junto à população juiz-forana, pudemos entender o que as pessoas esperam desse novo centro a partir de suas necessidades e aspirações. As posteriores análises desses dados permitirá que novos projetos no contexto das cidades inteligentes sejam desenvolvidos.
Marcas integradas às cidades
Em 2013, as empresas não tinham muita clareza quanto aos valores das Cidades Inteligentes e trabalhavam este conceito prioritariamente em ações que pensavam a ativação mais como vitrines do que como a oportunidade de suas marcas deixarem um legado às cidades e a sua população. A DUXcoworkers foi convidada a participar de um projeto que associava mobilidade urbana à orientação mercadológica da Lycra, no sentido de chamar a atenção do usuário para a contribuição da marca para a sua mobilidade pessoal e conforto. Em parceria com a agência Santa Clara, tagueamos todas as lingeries de uma loja de artigos de moda íntima no Shopping Higienópolis, transformando-as em meios de interação com ambiente por meio de um toten instalado no estabelecimento, promovendo uma interação sensorial e audiovisual entre as consumidoras e a Lycra. Ao buscar informações no toten sobre o produto que estavam comprando, as clientes podiam mudar a trilha sonora e a iluminação da loja de acordo com a lingerie escolhida, além de terem a possibilidade do download de uma setlist relacionado à marca e especialmente criada para ser ouvida enquanto se circula pela cidade.
Carro conectado
Circular pela cidade enquanto se utiliza o próprio carro como meio de pagamento não é exatamente uma novidade. Mas em 2013, desenvolver essa ideia era um desafio e tanto.
“O design centrado no usuário tem o papel de conciliar, de ser um facilitador na tomada de decisão para que a gente não veja as cidades inteligentes só sob o ponto de vista da tecnologia, nem só do usuário, como se os negócios não fizessem parte e todas as relações comerciais fossem destrutivas” Melina Alves
Foi neste período que a DUXcoworkers, a partir de análises de tendências e da validação com o público, identificou o potencial dos veículos automotores como forma de pagamento, considerando aspectos de mobilidade e prestação de serviço em ambientes como estacionamentos, drive thru, shopping centers e auto-estradas. Utilizando tecnologias que já faziam parte do cotidiano das pessoas e estavam em consonância com características da usabilidade dos carros dentro das cidades e inseridas no cenário mercadológico de companhias de seguro e de cobrança, viabilizamos as relações comerciais entre grandes empresas do mercado.
Hoje aquelas ideias que nos desafiaram há anos atrás, circulam por todo o Brasil através de marcas como Sem Parar e Via Fácil.
Amor a todas as espécies
A cada dia, os animais de estimação estão mais inseridos no dia a dia das cidades. Hoje, não é difícil encontrar estabelecimentos comerciais ou mesmo escritórios que aceitem a presença da bicharada em companhia de seus “donos”. A despeito do amor crescente que as pessoas mostram ter por seus filhos de quatro patas, o abandono e maus tratos aos animais é uma realidade vivida em qualquer centro urbano.
Nesse contexto, aproximar animais domésticos de potenciais adotantes e criar uma rede de proteção contra a violência que sofrem virou um projeto que a DUXcoworkers desenvolveu em parceria com investidores privados. A Petmission, um portal na internet que conectava amantes dos animais, possibilitou o reposicionamento das ONGs no ambiente digital, aumentando a eficiência de suas ações através deste ambiente.
A Petmission impactou as cidades pela cultura dos serviços, provocando as pessoas e sua relação com os animais a partir do reposicionamento de determinados serviços que têm influência no ecossistema urbano como um todo.
90 quilômetros de conversa
A segunda parte do episódio 2 da série cidades inteligentes está no ar com a troca de ideias entre Melina Alves (designer de experiências), José Mauro Gnaspini (gestor cultural) e Roseli Machado (consultora sustentável). Nele, você ouve conversas que dizem respeito às cidades como meio de interação e sua relação com a experiência do usuário, seus habitantes. São essas trocas embasadas na multidisciplinaridade que geram insights para o desenvolvimento de soluções inovadoras que buscam caminhos para a construção de uma cidade mais humana e inteligente.
Ouça e sinta-se em um genuíno laboratório móvel.