O desenvolvimento de aplicativos é uma questão humana antes de tecnológica. A conexão entre as pessoas deve estar presente no desenvolvimento desses aplicativos assim como as diferenças sócio culturais, arquitetônicas e políticas de cada cidade. As realidades dos centros urbanos e de seus cidadãos não podem ser tratadas como um elemento uniforme na criação de soluções para questões como a mobilidade urbana, por exemplo. Reconhecer essas diferenças passa obrigatoriamente pela inclusão digital, cuja importância foi destaque no SXSW 2019, indo ao encontro da proposta da DUXcoworkers quanto ao desenvolvimento das Smart Cities: seus habitantes devem ser considerados como ponto de partida de qualquer projeto.
A população como ponto de partida.
Quando dizemos que a vida mudou desde a adesão em massa das pessoas aos aplicativos que usamos no dia a dia, não podemos nos esquecer de perguntar quem exatamente são essas pessoas. As cidades comportam uma ampla diversidade humana que reflete realidades distintas. Atender todo esse espectro social, levando em conta as necessidades específicas de cada grupo, é tão importante quanto entender as particularidades de cada centro urbano.
Vimos que as diferenças entre as cidades mexicanas e as norte americanas foram abordadas em diversas mesas, tendo destaque a importância de estar conectado ao ambiente para oferecer soluções adequadas.
No México, as famílias não abrem mão do convívio pessoal. Elas querem se encontrar para estarem juntas. O calor do contato físico é fundamental para o mexicano. Essa característica aparece claramente no desenho de suas cidades, onde as casas são próximas e a disposição da malha viária reflete essa dinâmica sócio cultural. Já nos EUA, a cultura automobilística muda o cenário completamente. O automóvel é um elemento chave na vida dos norte-americanos, que acaba reduzindo o contato entre as pessoas. Quando se dá preferência ao uso do próprio carro para o deslocamento, adota-se uma solução individual para a questão da mobilidade que, se bem ou mal resolve o problema, influencia diretamente no contato humano e na própria relação do cidadão com sua cidade. Ao utilizarmos nosso próprio automóvel, vemos a cidade como uma sequência de pontos de passagem que acabam sendo interpretados como mera paisagem. As pessoas que cruzamos no caminho passam a compor esse quadro rotineiro. Mas quem deixa o carro na garagem e se move pelo transporte coletivo ou dedica parte de seu tempo a caminhadas pelas ruas e avenidas, sente a cidade como um ecossistema vivo e pulsante. Essas pessoas, a motorizada e a pedestre, vivem realidades completamente diferentes ainda que estejam dividindo o mesmo espaço. Os centros urbanos, que estimulam o convívio social e abrem espaços para seus moradores frequentarem e se encontrarem, criam um ambiente propício à troca de idéias e ao pensamento conjunto de soluções.
Ser parte da paisagem é infinitamente mais interessante e saudável do que apenas observá-la da janela.
Brincando e aprendendo.
A sabedoria urbana de Jane Jacobs apareceu em diversos painéis no SXSW 2019, inspirando palestrantes a construírem suas cidades. Em Playable Cities, o tema foi proposto para incentivar pessoas comuns a usarem espaços privados e públicos para criar ambientes propícios às brincadeiras. Esse método promove a interação participativa dos cidadãos de todas as idades, raças, gêneros e condição social, fazendo da conexão humana um fator de fortalecimento dos organismos públicos e privados. Esse convívio intensifica o sentimento de pertencimento, de integração com a cidade através da ocupação de seus espaços, cujos problemas passam a ser equacionados pela comunidade. A ideia de trazer o entendimento de que a cidade é uma extensão de nossas casas estabelece responsabilidades na busca de soluções urbanas que vão da segurança à mobilidade, do entretenimento à sustentabilidade.
Nesse ambiente, o uso das bicicletas vai além de uma opção de transporte. Elas também são um “brinquedo” fundamental, com um poderoso poder lúdico e interativo, que abre a possibilidade de as marcas explorarem fatores que influenciam as pessoas a pedalarem mais e por razões que extrapolam a questão da mobilidade. Antes de nos levar pra cá e pra lá, pedalar é legal, mas também é preciso investir em segurança e infraestrutura. Esse foi o alerta de Dirk O Evenson, que, assim como nós, tem pesquisado profundamente as pessoas e como incentivar o uso das bicicletas nas cidades de forma consistente.
Ouvir a população sobre seus anseios, criar e manter áreas atrativas ao convívio coletivo, faz com que as pessoas se sintam responsáveis por suas cidades, sendo movidas a assumirem posição de autoridade, aprofundando sua percepção de colaboração e integração social.
Inclusão digital.
Quantos dos aplicativos que você carrega no seu smartphone atendem aos deficientes visuais ou auditivos, por exemplo? Trazer comandos alternativos de acessibilidade, como a leitura de voz, gestos e sinais, movendo a tecnologia que nos é disponível para uma característica universal é mais do que ser apenas inclusivo, mas forte fator de agregar valor às marcas como o exemplo da Stradigi, que desenvolveu uma forma inteligente de desing universal para atos corriqueiros, porém com significativas variações. No caso, o pedido de café pode vir acompanhando de uma especificidade como café crto, com leite ou descafeínado..
A digitalização nos faz estarmos conectados, de verdade, ao mundo em que vivemos?
O problema levantado vai além quando pensamos que todas essas tecnologias se inserem no dia a dia do trabalho com cada vez mais naturalidade. Muitas das ferramentas laborais oferecidas por aplicativos tornaram imprescindível o uso do smartphone, que deve possuir alta capacidade de conexão banda larga para habilitar certas tarefas, como pré-requisito para a ocupação de certas funções.
Não é difícil concluir que a digitalização vem se tornando um obstáculo não só para as pessoas que lidam com alguma restrição física, mas também para a faixa de população de condições socioeconômica sensível, que não pode dispor de aparelhos modernos para competir, em situação de igualdade, às oportunidades do mercado de trabalho. Ao mesmo tempo em que o uso de aplicativos no trabalho otimiza sua execução e proporciona vantagens como o acesso à informação, o trabalho em trânsito ou home office, ele também exclui significativa parte de pessoas que não têm acesso a essas ferramentas.
A tecnologia que desenvolvemos para essas pessoas não lhes são acessíveis, perpetuando sua condição crítica e criando um obstáculo ao desenvolvimento como um todo. É urgente que sociedade e lideranças governamentais tenham participação ativa nesse debate, junto das empresas e desenvolvedores, para que esse gap social tecnológico seja equacionado e resolvido. Entender com profundidade a questão, antes de tomar decisões e estabelecer rumos ao desenvolvimento de projetos, torna-se essencial nesse cenário.
A presença do UX nessa equação é evidente, entendendo necessidades, as particularidades dos diferentes públicos e oferecendo enfim, soluções amplas e acessíveis a todos. Sem essa visão, não faz sentido falarmos mais em inclusão digital.
Os gaps do caminho.
A criação de aplicativos não é só um problema da tecnologia, mas fundamentalmente, um problema humano. Facilitar a conexão entre as pessoas com as cidades, com o trabalho, quanto com outras pessoas, não pode nos limitar como seres humanos. Somos coletivos. A proximidade real com o outro não deve ficar em segundo plano, precisamos da presença mais do que da tecnologia se quisermos construir e viver, de fato, em ambientes inclusivos.
Esse gap da acessibilidade mostra falha da própria humanidade, quando achamos que todos têm o acesso aos aplicativos que habitam nossos smartphones. Pensar em baixar custos para promover acesso digital universal nos permitirá promover a diversidade. Ganharemos mais criatividade no ambiente de trabalho, maiores possibilidades de inovação, incremento substancial no mercado consumidor e consequentemente, aumento da lucratividade. É essa linha de raciocínio que precisamos ter para juntos, empresas, sociedade e setor público, para superarmos esse obstáculo.
A inclusão digital não pode ser um gap. Ela influencia na democracia e igualdade e a importância do tema esteve em diversas mesas do SXSW.
Exemplo disso foi a visão da União Européia, que se instalou no Palm Door on Sixth durante todo o festival. Na palestra How Technology Can Balance Urban and Rural Development, da qual participou Nikos Chatzoudis, Diretor Geral da Comissão Européia de Agricultura, destaque para a forte preocupação da Europa quanto à acessibilidade digital, não só sob o ponto de vista da inclusão social, mas também para garantir que a conectividade nas áreas agrícolas ocorra de forma compatível com as cidades, gerando oportunidades de emprego e renda. Sob o ponto de vista dos investidores, Cris Turner, líder da Dell nos EUA, destacou que o principal desafio à conectividade nas áreas rurais é a dificuldade de retorno financeiro dos altos investimentos necessários em infraestrutura. Já Anne Schwieger, defensora da igualdade digital em banda larga da cidade de Boston, destacou a falta de planejamento e dificuldades de se estabelecer parcerias entre o poder público e a iniciativa privada.
No Brasil essa perspectiva se amplia e podemos notar que o abismo digital entre as zonas rurais e cidades aumenta o desinteresse dos jovens pelo campo, sem falar no excesso e dificuldades do uso útil da informação que acaba complicando ainda mais o seu acesso.
Inclusive nas cidades.
Cidades mais inteligentes do que espertas.
O que significa smart para você? Quando conceituamos smart cities falamos na inteligência do uso dos dados para melhorar a construção das cidades e do uso dessas informações no universo urbano, como facilitador ou fator de decisão. Mas estas informações ainda não nos trazem o conforto e a segurança necessários para embasar, de fato, nossas decisões cotidianas. Vemos que existem grandes diferenças entre o conceito de cidades inteligentes e o que acontece na prática.
Por exemplo, quando um aplicativo do clima nos diz que vai chover, passa-nos um dado genérico que, no máximo, oferece uma possibilidade de estarmos com o guarda-chuva na mão. Mas, a dica esperta, não é suficiente. Informar em quais pontos da cidade a chuva vai cair e onde teremos as incidências mais acentuadas é fundamental não só para nos prepararmos para as dificuldades do caminho, como para nos alertar quanto aos problemas mais graves que fatalmente a cidade enfrentará. Essa é uma informação inteligente que permite o planejamento e o processo decisivo.
As chuvas que a cidade de São Paulo enfrentou há algumas semanas é um exemplo desse gap. Mais que os transtornos no trânsito, os alagamentos desabrigaram famílias e provocaram ao menos dez mortes. A tragédia poderia ser amenizada se os dados meteorológicos fossem trabalhados com maior detalhamento, informando, além do período chuvoso, os locais problemas mais graves de modo antecipado. A inteligência tecnológica deveria responder a perguntas que permitissem o planejamento eficiente, como: quais as vias devem ser evitadas? que regiões estão sujeitas a alagamentos? em que pontos da cidade a chuva representa perigo à vida do cidadão? Imaginar que, por morarem na mesma cidade, as pessoas sabem dessas informações por conhecerem a região é um erro. Pessoas são diferentes ainda que vivam num mesmo lugar e vale repetir: essa diversidade deve ser levada em conta. Sempre.
A mesma reflexão pode ser feita no que tange ao transporte coletivo. Qualquer aplicativo esperto pode nos mostrar as linhas de ônibus que devemos usar para ir de um ponto a outro da cidade, e quanto tempo ele levará para chegar onde o esperamos. Mas a inteligência nos diria, por exemplo, quantos assentos livres encontrarei ou se o local reservado para pessoas com alguma dificuldade de locomoção já está ocupado.
A ideia de cidades inteligentes vai além da mobilidade urbana. Envolve a autossuficiência dos recursos hídricos, a produção local de alimentos, a produção local de energia, o tratamento efetivo dos rejeitos e o planejamento.
Nesse contexto a sustentabilidade local e o design das cidades ganham força para desenhar as estratégias que permitam, de fato, a integração da população aos processos decisórios nas diversas etapas do planejamento urbanístico.
Não foi à toa que Ernst Friedrich Schumacher disse há tempos que “Small is beautiful“. Reforçamos: Local is beautiful too.
Os alemães e holandeses conduziram essa discussão em grande estilo na palestra Design Strategies for Truly Inclusive Cities.
Respeitar as pessoas na construção das cidades, mantendo a autossuficiência dos meios urbanos, é o que norteia hoje o plano diretor das cidades holandesas, destacou Ren Yee. Na Holanda, assim como na Alemanha, engenheiros, arquitetos, investidores, designers e o poder público devem trabalhar juntos para garantir que as cidades sejam inclusivas e retirem, da sua própria área todos ou grande parte dos recursos necessários à sobrevivência humana.
Como? Fazendo-se as perguntas certas para que não sejam criados mais problemas operacionais.
Andar de bicicleta é legal. Mas qual o anseio da população específica da região afetada Perguntar apenas “sim” ou “não” não é o suficiente para incentivar uma mudança ou garantir a inclusão da população no processo decisivo. A pergunta certa vai além. Ela traz real conhecimento às pessoas sobre os efeitos das mudanças propostas. Ela gera confiança.
E se a tecnologia já nos permite ter visibilidade dos dados, esses dados devem ser utilizados para solucionar os problemas, causando impactos positivos na vida das pessoas.
Paul Gardien, designer da Philips, destacou, com felicidade, que no mundo conectado é vital termos visão holísitica e não recortada sobre a jornada do usuário para criar resultados sustentáveis: “Acredito que o design tem um papel fundamental a desempenhar quando se trata de impacto, seja pelo poder do design thinking para unir as partes, quanto por ser o protagonista dos usuários em sentido mais amplo”. O design para as cidades permite desenhar soluções significativas para os desafios urbanos, porque “a cidade compartilhada não deve ser o resultado inevitável da revolução digital, mas uma evolução social cuidadosamente trabalhada”.
Acreditamos que a inteligência das cidades está vinculada a colaboração humana, à co-opinion, que vai além da co-criação, vinculando-se a pesquisa que permite integração transparente das pessoas ao processo decisivo das mudanças, selando relações verdadeiras e duradouras.
O céu não é mais o limite.
A co-opinion foi uma das grandes estrelas trazidas pela EmbraerX, subsidiária da Embraer, quando seu stand foi transfrormado em um laboratório interativo onde os visitantes eram convidados a participar como colaboradores no desenvolvimento de veículos elétricos de decolagem e pouso vertical, conhecidos como VTOL. No Prototype Room, as pessoas conheciam o projeto, opinavam quanto ao seu desenvolvimento e criavam protótipos junto a especialistas. A importância da criação de um ambiente colaborativo de co-criação com pensadores e parceiros interdisciplinares é uma preocupação de Antônio Campello, CEO da EmbraerX. Esse é um dos compromissos da empresa, segundo ele, que afirmou que a mobilidade precisa ser construída em um ecossistema verdadeiramente colaborativo no qual a imaginação das pessoas é peça fundamental no processo de verdadeira transformação social.
Os carros voadores não são mais devaneios das obras de ficção científica e, em breve, prometem afetar a maneira como viajamos todos os dias. A Inteligência Artificial que vem sendo utilizada para o desenvolvimento de veículos autônomos padronizados ganha vantagem de poder fugir dos imprevistos do tráfego terrestre. Tomando o céu como caminho, longe de pedestres e dos engarrafamentos, esses veículos podem aliviar o ônus da mobilidade urbana atual.
De volta à terra firme.
Da mesma forma se posicionou Larissa Braun, Diretora de Pesquisa e Inovação da Audi, na roda de debates sobre parcerias para mobilidade global e construção do futuro. Para ela, um dos maiores desafios da era atual é criar produtos novos e igualmente seguros que vão atender aos anseios e necessidades da população. “Não basta que o carro seja inteligente. Ele tem que ser eficiente e seguro”. Exemplo disso foi o grande investimento que a Audi realizou em pesquisa de usuários, o que resultou no plano de produção de carros elétricos, autônomos de longa distância, em escala.
Falando em segurança no transporte, sobretudo em carros inteligentes, a transformação dos carros como ambiente midiático e de consumo foi também abordada com frequência no SXSW 2019 pelas pretensões futuras do time do Uber, que além de investir nas bicicletas elétricas Jump, pretende oferecer produtos a esse público durante o trajeto ou expor mídias alternativas e conteúdos que lhes sejam interessantes.
A possibilidade desses incrementos já é preocupação comum do público consumidor por afetarem o motorista, causar distrações e, consequentemente, acidentes. Preocupação também dos desenvolvedores. Como, então, expor motoristas e passageiros a conteúdos midiáticos, sem afetar a segurança do transporte?
Mais um desafio para a pesquisa dos usuários. Como ressaltou Tim Warner, VP da PepsiCo, a escuta ativa do consumidor, por metodologias de pesquisas personalizadas e escaláveis, já mostrou forte redução de custos, aumentando o retorno dos investimentos, além de tornar a marca mais valorável.
Essa linha de raciocínio também é a mesma da DUXcoworkers que entende ter importância vital a participação do consumidor no desenvolvimento de projetos e no uso de protótipos para minimizar erros e deficiências. E novamente o SXSW nos mostrou que estamos sintonizados às tendências mundiais de desenvolvimento. Oferecer soluções embasadas em nossos princípios e valores não é um devaneio futurista, mas pensar no amanhã com os pés no chão.
Ainda que a bordo de um carro voador.
A DUXcoworkers quer trazer você para o centro das discussões dos temas que mais nos chamaram a atenção no SXSW 2019. Se você se interessa por Economia e Tecnologia, Cidades Conectadas e Trabalho e Pessoas, mande um e-mail pra gente e participe: [email protected].