Sandbox é um termo utilizado na ciência da computação para designar o isolamento de um programa em execução dentro de um espaço virtual delimitado e neutro, que oferce a possibilidade de testar operações em um ambiente fechado e por isso, sem chance de “contaminar” o restante do sistema operacional, evitando que o computador sofra algum dano colateral. Genralizando, o sandbox é uma forma eficaz de testar novos microssistemas sem comprometer o sistema como um todo. Ou, se preferir (como eu) uma explicação mais lúdica, fique com a dada por Claudio Maes, Gerente de Desenvolvimento de Normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no CRED-TECH Brasil 2019, que definiu ao termo como a famosa caixa de areia dos parquinhos, onde “as crianças são livres para inventar suas brincadeiras dentro dos limites da própria caixa”.
E são desses limites que trata o Sandbox Regulatório.
Os limites da caixa
Na última sexta-feira, 27 de setembro, encerrou-se o prazo para encaminhamento de propostas e manifestações à CVM para a regulamentação referente à constituição e funcionamento de um ambiente regulatório experimental – o Sandbox Regulatório. “Os Sandboxes Regulatórios têm se consagrado internacionalmente como instrumento eficaz no fomento à inovação no mercado financeiro e de capitais por meio da modulação temporária do ônus regulatório e da orientação aos empreendedores sobre as normas legais e regulamentares aplicáveis às suas atividades”, define Antonio Berwanger, Superintendente de Desenvolvimento de Mercado na CVM .
O Sandbox Regulatório permite que as empresas testem serviços, produtos e modelos de negócios inovadores em um ambiente de mercado real, interagindo com usuários e bancos sob a supervisão da autoridade reguladora. A presença da regulação serve exatamente para o estudo e adoção de eventuais medidas preventivas que possam proteger os consumidores e o sistema financeiro.
João Alexandre Vasco, Superintendente de Proteção e Orientação aos Investidores da CVM, afirma que o sandbox possibilita a criação de um ambiente em que as fintechs sem capacidade de atender certos aspectos da regulação tenham alguma flexibilidade legal para que possam desenvolver suas ideias com mais liberdade. Se, por exemplo, ela não atender às exigências de capital regulatório, poderão atuar como se atendessem a exigência e terão ser autorização para distribuir seu produto em um processo “semelhante a um teste de um novo medicamento”.
No Reino Unido, o regime regulatório sandbox foi proposto em novembro de 2015 pela Financial Conduct Authority (FCA), órgão regulador do mercado financeiro britânico, que desde então está em desenvolvimento. A CVM também planeja se integrar à rede global de sandbox, conhecida como Global Financial Innovation Network (GFIN), liderada por Austrália e Reino Unido, que já conta com a participação de 29 reguladores ao redor do mundo. Esta participação abre inúmeras oportunidades ao intercâmbio e expansão das fintechs nacionais pois, por exemplo, uma autorização de funcionamento dada aqui valeria em qualquer um dos 29 países membros do GFIN. E vice-versa.
Inteligência coletiva e inovação
No CRED-TECH Brasil 2019, Claudio Maes e José Alexandre Vasco falaram sobre os desafios de criar um ambiente regulatório controlado para fomentar a inovação e sobre o processo de desenvolvimento das regras do jogo.
Através de uma audiência pública, qualquer pessoa pode participar da escrita da regulamentação em um processo colaborativo que reflete o confronto existente entre o desenvolvimento das fintechs e a as amarras legais que sofrem no setor. Enquanto o mercado se expande e as oportunidades surgem, as leis e regulamentos comprometem a consolidação deste mercado pela própria natureza burocrática e lenta do sistema normativo brasileiro no que tange à letra da lei. É o próprio regramento que cria empecilhos ao desenvolvimento e não só a morosidade do processo legislativo. A legislação, como ressaltou Claudio Maes no CRED-TECH, simplesmente não é capaz de acompanhar a inovação. Assim, foi natural que o caminho adotado pela CVM diante a latente necessidade de abrir espaço para as fintechs se baseasse em um processo colaborativo que por si só favorece a inovação.
Nada mais pertinente. A principal queixa das startups brasileiras é a falta de acesso ao crédito. Se o dinheiro chegar na mão desses empreendedores com agilidade, garantias possíveis de serem oferecidas e juros menores, as possibilidades de sucesso aumentam consideravelmente. Criar um ambiente favorável ao desenvolvimento de fintechs é apoiar a inovação empreendedora como um todo.
Por isso o acesso a sandbox não será limitada às startups. Qualquer empresa de crédito pode ser selecionada, independentemente de seu tamanho. O que é considerado como o principal pré-requisito para que uma fintech goze dos benefícios de estar nessa caixa é justamente a inovação: em produtos, processos e que propicie a inclusão financeira da população – através do desenvolvimento e utilização de uma tecnologia nova.
Afinal, passou da hora do Brasil assumir sua pulsante criatividade nos negócios e ocupar uma posição relevante como polo de inovação mundial.
Startux
Fruto dessa visão, calcada em processos desenvolvidos a partir da inteligência coletiva centrada na inovação e com foco no usuário, a DUXcoworkers criou a Startux, uma iniciativa que visa apoiar startups que tenham o propósito de agregar valor à geração de um ecossistema produtivo voltado às pessoas. A busca por empreendedores que valorizem a qualidade de vida das pessoas e colaborem com a evolução de um mercado inclusivo foram as bases para a parceria firmada com a My First IPO. A primeira startup que tem o apoio da parceria é a Ohne, que oferece crédito rápido, desburocratizado e com juros que estão abaixo dos praticados usualmente no mercado brasileiro.
O futuro do trabalho
Desenvolvido pela DUXcoworkers, o Painel Itinerante O Futuro do Trabalho é uma pesquisa realizada em feiras, eventos, logradouros públicos e empresas que propõe uma metodologia lúdica e interativa, trazendo as pessoas a refletirem sobre o futuro do trabalho a partir de temas relevantes dentro do contexto laboral. O Painel esteve no CRED-TECH Brasil 2019 e apontou resultados que condizem com o momento vivido pelas fintechs no país. Os dados levantados no evento nos mostram a preocupação comum com uma maior flexibilidade no trabalho e a desburocratização, reflketida nas formalidades do ambiente de trabalho. Se olharmos para o Sandbox Regulatório, não é difícil localizar a intersecção entre os temas: flexibilização das regras de acesso ao crédito passa pela facilitação legal dos processos – sem falar na regulamentação colaborativa a partir de várias ideias que flerta com a multidisciplinaridade das equipes.
É interessante notar que este encontro de desejos mostra como as aspirações pessoais estão diretamente conectadas às necessidades do mercado. Os dados colhidos no Painel Itinerante apontam tendências que vêm se concretizando nesse sentido e a crescente busca por uma atividade que vá além do ganha pão de cada dia. Em um público formado por 53% de empreendedores, os resultados obtidos na pesquisa foram:
Flexibilidade foi a palavra que define o local de trabalho no futuro para 80,85% dos entrevistados;
76,6% das pessoas querem trabalhar em uma empresa cujo Propósito seja semelhante ao seu;
Equipes Multidisciplinares definirá o dia-a-dia na empresa para 40,42% e Transparência para 27,65% ;
Para 53,2% dos entrevistados, a Participação nos Resultados será a melhor forma de remuneração e reconhecimento;
As competências humanas que serão mais valorizadas no futuro segundo os participantes do Cred-Tech Brasil 2019 são a Inteligência Emocional e a Criatividade, com respectivamente 27,65% e 25,5% das escolhas.
E os objetivos de carreira do amanhã dizem respeito a Autonomia para 40,42% dos entrevistados.
Os resultados apontam uma tendência á autonomia das pessoas frente à sua produção, assumindo responsabilidades que outrora era diluída no organograma empresarial. A flexibilidade de trabalho e a presença de equipes multidisciplinares podem ser vistas como uma busca pela inovação a partir do trabalho realizado em moldes diferentes do que hoje ainda são ditos “normais”. Longe das baias e dos times homemgêneos, respira-se um ar que departamentos fechados em suas próprias expertises e análises curriculares baseadas em títulos e formações específicas (dando um peso excessivamente maior às experiências profisiionais frente às de vida) jamais irão respirar. A inteligência emocional, outro aspecto relevante apresentado pelo Painel, diz respeito a essa relação entre as pessoas que devem ser mais horizontais e humanas. Isso não quer dizer que metas não devam ser atingidas e resultados cobrados, mas sim como podemos lidar com problemas humanos, normais e corriqueiros de forma a minimizar ou eliminar um mal desempenho. É a preocupação com o próximo que se apresenta como um financiamento acessível a quem queira participar de um mundo novo, transformado – do futuro.
Essa janela aberta, baseada em relações transparentes e mais humanas oferecem novos horizontes às pessoas. Haverá mais que o bater cartão e o cumprimento de ordens e determinações para se manter no emprego. Existirá uma realização em cada meta atingida que trará em seus processos o propósito da empresa conjugado com o de seus colaboradores. E tudo em relações que mais se aproximam de uma parceria do que de uma relação laboral típica – notem que a participação nos resultados como forma de reconhecimento e remuneração é, no fundo, uma divisão de responsabilidades.
O processo de desenvolvimento do Sandbox Regulatório , enfim, está sendo pensado como um processo em que a própria inovação dita o ritmo e o caminho a ser seguido . A construção de um ecossistema produtivo passa pela intersecção entre disciplinas e conceitos que somados apontam oportunidades. E o amanhã que desenhamos depende de localizarmos essas oportunidades para podermos entendê-las e, finalmente, aproveitá-las.
A adoção de um modelo de sandbox que esteja em sintonia com o que acontece no mundo é uma dessas oportunidades E, como disse Vasco, juntos estamos colocando “um tijolo na construção de um país que não seja um eterno exportador de commodities.”
Fontes: Valor Econômico, AB2L, CVM