Sua empresa não vende mais produtos, ela vende experiências

Por Adolfo Menezes Melito e Melina Alves

 

Publicado originalmente no caderno Proxxima, do Meio e Mensagem em 6/02/2020

 

As técnicas aplicadas aos processos de gestão mudam mais rapidamente do que as próprias práticas. Elas ressurgem aqui acolá com novas roupagens e nomes inéditos, mas não trazem, obrigatoriamente, mudanças revolucionárias efetivas, palpáveis. Esse é o caso, por exemplo, dos conceitos envolvendo economia criativa, economia da experiência, cocriação, economia compartilhada e muitas outras terminologias inventadas e reinventadas para engordar o glossário corporativo.

Transformação digital é a palavra da moda na atualidade. Na prática, ela se materializa na utilização de todas as ferramentas digitais capazes de se relacionar com o cliente da forma que ele próprio escolheu ser atendido. Interessante notar que as empresas, ao invés de anteciparem essa tendência, somente acordaram depois dos clientes terem ganho voz ativa nas redes sociais.

A transformação digital é, por assim dizer, uma reação já tardia para revolucionar os negócios através do uso das tecnologias digitais. O primeiro passo é verificar como essas novas ferramentas podem favorecer um novo modelo de negócios que vem – nada mais nada menos – para atender uma demanda latente.

Eis aí sua principal revelação: seu elemento chave é, no final do dia, a experiência do consumidor.

A economia da experiência, o “design thinking”, o design de experiência e, mais recentemente, a experiência do usuário (UX), do cliente ou do consumidor, são, na verdade, nomes diferentes para os mesmos fenômenos.

Em “Megatrends, publicado em 1985, o autor norte-americano John Naisbitt já previa que o avanço das novas tecnologias caminharia para intensificação do contato humano. Em 1999, Naisbitt volta ao assunto ao escrever “High Tech, High Touch”. Em outras palavras, na visão do autor, nada substitui a importância do contato humano.

É parte da genialidade humana atribuir nomes e conectar teorias a eventos já existentes. A Economia da Experiência, cantada em verso e prosa pelo dinamarquês Rolf Jensen (“The Dream Society”) e pelos norte-americanos B. Joseph Pine II e James H. Gilmore (“The Experience Economy”) no final da década de 1990, foi inspirada na Disneylândia, um ícone do entretenimento criado por Walt Disney 45 anos antes.

A noção de “design” como uma “forma de pensar” tem sua origem na publicação “The Science of the Artificial”, de Herbert A. Simon, e passou a ser utilizada na Engenharia a partir de 1973, citada em “Experiences in Visual Thinking”, de Robert McKim.

A Apple revolucionou conceitos de marketing e produto ao decretar que o cliente não consegue articular suas necessidades porque (i) está preso às suas experiências passadas e (ii) não consegue vislumbrar o que as novas tecnologias podem oferecer.

É nesse cenário que o “Design Thinking” passa de uma visão de “design” para uma adequação antropológica. Seu ponto de partida é a observação do consumidor no seu dia-a-dia e de interações e trocas dentro do conceito da experimentação. Dizem que UX se relaciona à adequação da tecnologia aos desejos e preferências do usuário ou consumidor. Como vimos, é, na realidade, mais uma adequação do modelo de negócios. Mais uma vez, vale ressaltar, a tecnologia é um meio e não um fim.

Como a sua empresa se relaciona com seus clientes, fornecedores, consumidores, parceiros e outros stakeholders? Como estabelecer uma identidade admirada por todos eles?

O Fórum de “Customer Experience”, criado em 2008 pelos consultores Harley Manning e Kerry Bodine, comprovaram a eficácia dessa filosofia, demonstrando que empresas que praticavam esses conceitos tiveram, no período de 2008 a 2012, seu valor de mercado aumentado em 22%, enquanto as demais empresas do S&P500 amargaram, vejam só, uma desvalorização de 46%.

Seriam esses conceitos ocidentais? Concentram-se nos Estados Unidos?

Não completamente. Em 2010 nasceu na China a empresa Xiaomi, que provou tese contrária a da Apple, surpreendendo seus clientes e consumidores com produtos totalmente inéditos. E qual foi o centro de sua estratégia? Simples: essa empresa nasceu 100% dentro das redes sociais, criando verdadeiras legiões de fãs.

A Xiaomi quebrou a liderança do iPhone na China, vendendo tudo pela Internet. E sabe o porquê? Basicamente porque seus produtos incorporam funcionalidades e conteúdos sugeridos pelos, adivinhem, seus próprios consumidores.

Há melhor maneira de fomentar a experiência do usuário? Lei Jun, CEO da Xiaomi, declarou em 2013: “A prioridade da Xiaomi não é receita, não é lucro, não é participação de mercado … nos concentramos em criar o produto que leve nossos usuários ao delírio”.

E assim os chineses quebraram a hegemonia da empresa referência mundial em design.

Como expandir esses conceitos e incluí-los na construção de novos empreendimentos ou em empresas já existentes? Os pilares de organizações feitas para durar se assentam em (i) propósito, (ii) talentos, (iii) governança, (iv) cultura de inovação e (v) liderança. 

E o “User experience” é transversal a todos esses pilares. Talentos se alinham a fatores de engajamento, excelência e propósito. A governança passa pela ética, bom senso, propósito e princípios. Já a inovação integra a cultura e é estimulada pela liderança, pressupondo colaboração, observação do mundo com os olhos de uma criança e a sustentação em talentos multidisciplinares para analisar o comportamento do usuário ou consumidor – designer, psicólogos, antropólogos. A criatividade é o resultado da conexão de múltiplos elementos e especialidades. E a inovação advém de escolhas acertadas, reunindo na empresa todas as competências necessárias para materializar uma ideia vencedora.

Para seguir nesta direção, é essencial, não esqueçam, identificar clientes, colaboradores e parceiros que se alinhem aos mesmos valores e princípios da empresa.

Qual a percepção do cliente ou consumidor sobre as interações com produtos e serviços de uma empresa? A percepção de valor vem da sintonia fina com que cada uma das áreas funcionais da empresa interage entre si e externamente. Todo ponto de contato do usuário com a empresa deve revelar esse encantamento.

O grau de compromisso do talento com a empresa e com o seu propósito é proporcional ao nível de engajamento e ao sentimento de pertencimento (“ownership”). Fomentar a ambição positiva a partir da construção de um ambiente no qual as relações internas entre colaboradores e liderança sejam positivas e onde seja natural dar e receber feedbacks (o conceito de “openness”) é parte inseparável da cultura de inovação da organização.

Empresas tradicionais eventualmente se dedicam a atividades que não contribuem com as suas prioridades e resultados. Por isso, é importante não se ocupar de modismos e atividades que não gerem caixa, que não aperfeiçoem o produto ou serviço, que não melhorem a experiência do usuário e cujo resultado final não seja o cliente feliz. 

Toda organização passa pelo desafio desse alinhamento interno. Haverá sempre o dilema “make or buy”. Empresas vencedoras são despojadas da paixão pela tecnologia. Estão, na realidade, focadas no cliente. Possuir a habilidade de interagir com parceiros e fornecedores para agregar funcionalidades ao seu produto pode ser a diferença entre ter ou não ter um produto pronto para o mercado no “timing” certo, seguindo o conceito de “readiness”.

Há, finalmente, um conjunto de conceitos e práticas que conferem valor percebido ao cliente dentro do conceito “User Experience”: foco, simplicidade, agilidade e disciplina.

Investir na melhoria da experiência do usuário dando vez e voz aos seus consumidores não é mais uma opção. Este deve ser o mantra da sua empresa na economia da inovação. É isso ou deixar as portas abertas para entrada de concorrentes que sabem como ninguém encantar (e roubar) seus clientes. E você não vai querer perdê-los, vai?

(*) Adolfo Menezes Melito, economista, Presidente da CrowdInvest e fundador da MyFirstIPO; Melina Alves, consultora de inovação e UX, CEO e fundadora da DUXcoworkers

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