Conhecer quais as barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência e criar soluções é mais que uma atitude: é um dever de todos nós.
Neste artigo, entrevistamos três especialistas em acessibilidade que nos mostrarão:
- dificuldades que enfrentam;
- o papel da cultura organizacional na inclusão;
- soluções reais para eliminar barreiras;
- ideias para os empreendedores;
Boa experiência!
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) define em seu artigo terceiro, inciso I, acessibilidade como a “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida”.
O Brasil possui, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 revisto em 2018 e publicado em 2019 no mapeamento do Ministério da Saúde, 6,7% de pessoas com deficiência em sua população.
Essas quase 13 milhões de pessoas enfrentam barreiras diárias que passam despercebidas por quem não possui essas limitações. Uma sarjeta, por exemplo, pode se tornar uma barreira intransponível para quem tem dificuldade de locomoção, como nos alerta o movimento Sem Rampa, Sarjeta é Muro.
Aliás, a LBI também define “barreira” indicando já nas alíneas do inciso IV, art. 3º da legislação, o conceito amplo e filosófico deste termo, que não se restringe aos meios físicos como sendo: “qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança”.
Na semana em que a reflexão sobre acessibilidade é aguçada pelo Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência (21/09), convidamos três especialistas no assunto para nos responder algumas perguntas relacionadas ao tema.
Wanda Gomes, pós-graduada em Design Gráfico, pelo Centro Universitário Senac, autora da pesquisa “A inclusão social do deficiente visual a partir de técnicas e processos de impressão em papel / Projeto de design gráfico de livro infantil”. Wanda é parecerista em projetos culturais com credenciamento junto ao Ministério da Cultura — desde 2015. Desenvolveu o design e o sistema de impressão Braille.BR aplicado aos livros infantis premiados na Bienal Brasileira de Design e Prêmio de Excelência Gráfica Fernando Pini: Adélia Cozinheira, Adélia Esquecida e Adélia Sonhadora, de Lia Zatz e Luise Weiss; e Segall [por]tátil, Museu Lasar Segall. Atualmente, ela se dedica a projetos de design editorial, com foco em acessibilidade e inclusão; elaboração e produção de projetos culturais na área de artes visuais; e, consultoria e assessoria em acessibilidade e inclusão da pessoa com deficiência junto a artistas visuais e produtores culturais.
Elias Fernandes, Senior UX Designer na Raia Drogasil e autor de um livro bilíngue para crianças surdas. Há 20 anos trabalha com deficientes visuais e auditivos e com a terceira idade. Ao longo dessas duas décadas, Elias vem aprendendo, construindo e desenvolvendo projetos desde audiovisual ao ensino, treinamento e capacitação de intérpretes. Desenvolveu um estudo de acessibilidade em ATMs (caixas eletrônicos), e presta consultoria para criação de produtos acessíveis e realiza pesquisas com deficientes auditivos.
Marcelo Sales, faz parte da equipe de Design Ops com foco 100% em UX e Acessibilidade desenvolvendo ferramentas de apoio, guias, manuais e prestando consultorias para todas as áreas no Itaú. É especialista em acessibilidade digital e consultor na área. Idealizador do http://acessibilida.de/ e do Guia WCAG entre outras muitas iniciativas. Marcelo estuda o tema desde 2012 e estabeleceu uma série de padrões nacionais na área.
É importante salientar que nem sempre as opiniões são as mesmas. São essas diferenças que enriquecem o debate e abrem novas perspectivas, novas ideias e que semeiam o terreno para a inovação.
Esperamos que você goste tanto das entrevistas quanto nós gostamos de fazê-las 😉
DUXcoworkers: o que é trabalhar para um público que possui deficiência ou dificuldade ampla de acesso a muitos produtos e serviços? Que tipo de dificuldades você enfrenta?
Elias Fernandes: Essa é a primeira vez que alguém me pergunta isso e nunca tinha parado para refletir sobre o que é trabalhar para esse público. Talvez porque têm sido tão natural para mim e posso me relacionar com o que penso sobre acessibilidade.
Wanda Gomes: Paradoxalmente ao fato da legislação brasileira ser uma das mais completas do mundo, a implementação e cumprimento dessas leis se dá de maneira extremamente morosa e cheia de falhas, com reflexos em todos os campos da vida da pessoa com deficiência em todos os aspectos de sua formação educacional e cultural, negando seus direitos mais básicos elencados na Constituição Brasileira, 1988 e na Lei Brasileira de Inclusão, 2015. Essa dificuldade é um contraponto à gratificante sensação de atender as necessidades reais, concretas e principalmente, em algo que pode refletir de fato na conquista da pessoa com deficiência daquilo que se refere a seu lugar de direito, de autonomia e independência na sociedade, já que os projetos que desenvolvo são essencialmente ligados à educação e à cultura. as políticas públicas não promovem o incentivo às pesquisas e inovações.
“Muitas pessoas e empresas ainda têm constituído dentro de si que acessibilidade está relacionada ao assistencialismo (…) e esse fator está muito ligado com o deixar para depois.”
Elias Fernandes
Marcelo Sales: Ao falar de acessibilidade, precisamos desmistificar alguns pontos. As pessoas associam acessibilidade a algo específico de quem tem alguma deficiência. Só que não é apenas isso. A deficiência se relaciona a algum tipo de barreira de comunicação, de utilização. Quem tem deficiência física é prejudicado, o que não significa que outras pessoas também não sejam. Quem nunca teve um problema com um pop up que lhe atrapalha a navegação? Ou no preenchimento de um formulário com mensagens de erro que não ajudam a corrigi-lo? Tudo isso tem a ver com acessibilidade. Mas, lógico, as pessoas que possuem algum tipo de deficiência tem uma barreira maior a ser vencida.
Elias Fernandes: a dificuldade maior hoje talvez esteja mais na forma como encaramos esse assunto, os tabus e aos “pré-conceitos”. Muitas pessoas e empresas ainda têm constituído dentro de si, que acessibilidade está relacionada ao assistencialismo, ao velho termo de dar esmolas para “o necessitado”, e esse fator está muito ligado com o deixar para depois. Pensar em acessibilidade como uma caixa fora do processo de desenvolvimento de produto é a maior dificuldade que percebo hoje.
Marcelo Sales: A acessibilidade digital está associada ao acesso à informação por todas as pessoas, onde quer que ela esteja. Quando falamos de design responsivo por exemplo, diz respeito à acessibilidade. Por isso, o tema contempla todo o ciclo de desenvolvimento de produtos ou serviços pois estamos traduzindo tudo aquilo em qualidade da minha aplicação.
Wanda Gomes: O processo de patente no Brasil é difícil, pode levar muitos anos, além de ser demasiadamente caro. O sistema Braille.BR, apesar de seus 10 anos desde sua criação, ainda é relativamente caro. Monta-se um círculo ingrato, a população onde se concentra o maior número de pessoas com deficiência e portanto com maior necessidade de acesso a produtos inclusivos não tem direito ao livro acessível e a educação de qualidade, consequentemente lhe são negados os direitos de acesso e de progresso em sua formação educacional e profissional. Nesse sentido, as principais dificuldades são financeiras. A implementação de inovações dependem de tempo, aprofundamento em pesquisas teóricas e práticas. Junta-se a isso a falta de conhecimento, às lacunas na formação de profissionais relativas às necessidades da pessoa com deficiência. Estamos ainda vivendo sob regras de um “modelo médico” em nossa sociedade. Nesse modelo, a pessoa com deficiência ainda é vista como o ser que precisa de cuidados, reconhecendo a diferença como limitante, promovendo portanto a desigualdade, a desvantagem,e estabelecendo por fim, a exclusão.
DUXcoworkers: como vocês veem o papel da cultura organizacional da empresa dentro do contexto da inclusão?
Marcelo Sales: Não existe acessibilidade dentro de uma empresa sem a mudança de cultura. É importante dizer, novamente, que quando falamos em diversidade, estamos tratando também de temas como inclusão e diversidade. Então é interessante pensar em como esses conceitos se conectam entre si. Eles são diferentes, mas estão separados por uma linha tênue pois no final das contas têm o mesmo propósito, o mesmo ideal.
“Encontramos também muitas dificuldades advindas de nossa formação, que são sentimentos e modos de ver arraigados em nossa cultura, dos quais nem nos damos conta.”
Wanda Gomes
Elias Fernandes: Está muito relacionado com o que mencionei: os tabus, os “pré-conceitos”. Acharmos que a acessibilidade é uma cartilha em que eu tenho algumas tarefinhas a realizar, então eu posso simplesmente ignorar e empurrar para depois. E por isso as empresas ainda não conseguem enxergar a importância, não de se pensar em acessibilidade, mas a partir de criar um produto, a acessibilidade já estar nos requisitos, já fazer parte da essência, na contratação de profissionais, na educação, na criação de um produto. O que quero dizer com isso é:
Marcelo Sales: Costumo fazer a seguinte analogia: há algum tempo, as empresas vêm tentando implementar processos ágeis e você não consegue essa implementação se não mudar a mentalidade das pessoas. Isso inclui treinamento, trazer profissionais externos para ensinar o time interno, motivar as pessoas a implementar o estilo ágil no dia a dia, corrigir erros etc. É preciso colocar essa cultura na cabeça das pessoas. Acessibilidade é a mesma coisa. Tem que mudar a mentalidade das pessoas, inclusive colocando pessoas com deficiência nas equipes.
Elias Fernandes: Quando vamos criar um prédio um arquiteto desenha uma planta que seguem certos requisitos, e só depois que ele é construído que alguém lembra de que a porta deveria ser maior para passar uma cadeira de rodas. Quando acessibilidade faz parte da essência, seja da empresa ou do profissional, isso não ocorre: já é inerente ao se desenhar uma planta que ela contenha a medida mínima na porta em que o engenheiro deverá seguir e será o suficiente para passar uma pessoa com cadeira de rodas, ou uma pessoa extremamente obesa ou com algum tipo de necessidade especial.
Marcelo Sales: Também vale chamar atenção para um ponto que eu costumo ver muito por aí: as pessoas que possuem deficiências devem ser contratadas para trabalhar na sua empresa porque tem uma especialidade, uma formação, um talento para determinada função, para desenvolver um trabalho e não porque estão obrigatoriamente ligadas à acessibilidade. Não é porque a pessoa possui algum tipo de deficiência que ela é de alguma forma especialista no assunto. A empresa deveria contratar uma pessoa com deficiência para que ela execute qualquer função que ela queira executar e não necessariamente para realizar uma tarefa diretamente ligada apenas a acessibilidade, caso ela não queira. É esse pensamento que só a cultura da empresa pode incutir na organização, nas pessoas.
Wanda Gomes: A questão da inclusão deve merecer lugar de importância inquestionável na cultura organizacional de qualquer empresa. Acredito que em todos os aspectos, através da remoção de barreiras físicas ou atitudinais, em direção ao bem estar influenciando relacionamentos entre funcionários, relacionamento com clientes, produtividade, crescimento da empresa, e até a própria imagem institucional, tudo culmina em ganhos para a empresa.
Elias Fernandes: Então é importante que as empresas criem suas diretrizes e normas respeitando essa diversidade, não somente no papel e nas horas de se posicionar nas redes sociais como empresas que respeitam a diversidade, mas que atuem, e construam para esse público. Que não aceitem que um serviço e produto seja lançado sem os requisitos básicos de acessibilidade. E pensar nisso não é fácil, pois envolve uma mudança cultural, só que essa mudança só pode acontecer quando inserirmos cada vez mais uma diversidade de pessoas para trabalhar em nossas empresas e produtos.
DUXcoworkers: existem soluções simples e eficientes para produtos ou serviços com acessibilidade. Quais soluções tecnológicas ou urbanas ainda não estão sendo utilizadas? Por quais motivos ou barreiras?
Wanda Gomes: Com certeza! A começar pela mudança em relação às barreiras atitudinais baseadas apenas em conhecimento e aprendizado sobre a condição humana e sobre o “modelo social” citado antes. São mudanças que requerem baixíssimos investimentos e podem provocar grandes mudanças positivas para a empresa. A partir dessa primeira etapa, outras mudanças e soluções simples surgirão naturalmente.
“A empresa deveria contratar uma pessoa com deficiência para que ela execute qualquer função que ela queira executar e não necessariamente para realizar uma tarefa diretamente ligada apenas a acessibilidade.”
Marcelo Sales
Marcelo Sales: Pensando em acessibilidade digital não existe. Existem as “milagrosas” que surgem todo dia por aí. Ferramentas lançadas que prometem dar acessibilidade num clique. Todo mundo vai ouvir falar disso: empresas oferecendo uma linha de código que vai tornar o site acessível. Isso não existe. A oferta visa ludibriar gestores que têm medo das multas por causa da LBI que obriga as empresas nacionais a terem seu conteúdo digital acessível. Essas ferramentas promovem uma falsa percepção de inclusão. Quando falamos em acessibilidade, temos que falar de conteúdo e como e onde as pessoas o estão consumindo. Hoje em dia, a internet é acessada por relógios, televisores e outros dispositivos. As soluções milagrosas nunca pensam nesse todo. Concentram-se, por exemplo, no desktop e mesmo assim trazem outras barreiras de acesso como a necessidade de se baixar um outro programa e por aí vai. Não é uma linha do código do seu site que vai tornar seu produto ou serviço acessível. Quando falamos em design responsivo de uma forma ética, estamos falando de construir um produto ou serviço com qualidade. Implementando essas ferramentas miraculosas, você não contribui em nada com a qualidade. Você vai ter uma falsa ideia de que é acessível, mas não é.
Wanda Gomes: É preciso entender também que produtos ou serviços “adaptados” podem custar muito mais caros do que aquele projeto que já nasceu inclusivo! De maneira simplista: aumentar a largura de uma porta, eliminar um simples degrau, pode não representar diferença alguma no projeto de arquitetura ou de engenharia original, já uma reforma pode ter altos custos, inclusive com perdas que refletirão diretamente no faturamento da empresa. com relação ao Braille.BR, os alcances não são muito diferentes. A inovação da tecnologia de impressão está relacionada a pequenas mudanças em processos e materiais já existentes. Essas mudanças resultaram numa ampliação de público ao qual se destina o livro, por exemplo. Ao invés de um braille convencional que seria direcionado somente pessoas cegas, a ferramenta passa a atender também às pessoas com baixa visão e com visão normal. Um resultado altamente positivo não somente no aumento em quantidade de público, mas também com relação aos aspectos e problemas psicossociais acarretados pela falta de oportunidade de convivência.
Elias Fernandes: Algumas soluções que menciono, e tentando sair dos mesmos que são comentados, acho que vale a pena falar das centrais de intérpretes que algumas prefeituras criaram, porém vieram a ser canceladas por falta de uso. Aalgumas delas estão sendo reabertas e precisamos torná-las mais eficientes, repensar o seu formato original.
Elias Fernandes: Já existem muitas soluções para pessoas com problemas de visão, deficiência visual, materiais disponíveis aí que podem ser consultados espalhados na internet. Lembro do trabalho do professor Fernando Capovilla, que realiza na USP (Universidade de São Paulo) e podem ser consultadas. Há muita coisa no Brasil, não precisa buscar tudo lá fora. Mas a solução mais simples que sempre falo é: converse com o usuário, pergunte e atue dentro daquilo que você aprendeu com ele.
Marcelo Sales: Quando focamos em pessoas com algum tipo de deficiência, vemos barreiras que não fazem parte do dia a dia. Quando nos aproximarmos dessas pessoas, entendemos de problemas que não víamos, não percebíamos. Passamos a entendê-los de verdade. Por isso conversar com o usuário é fundamental, incluindo, dentre eles, as pessoas com deficiência. Para esse público
as formas de interação são diversas e vão além do mouse e teclado o que nos permite mapear maior número de erros.
“Mas a solução mais simples que sempre falo é: converse com o usuário, pergunte e atue dentro daquilo que você aprendeu com ele.”
Elias Fernandes
Marcelo Sales: Pode ser o toque, a voz. Temos que identificar as formas de interação dessas pessoas com os produtos e assim identificar melhores caminhos e erros. A correção desses erros faz com que você aumente a qualidade do seu produto. No final, você enfrenta dificuldades, precisa de mais tempo para desenvolver projetos, mas agrega mais eficiência e qualidade ao produto.
Wanda Gomes: Muitas soluções de simples aplicação deixam de ser aplicadas por falta de conhecimento e mesmo por preconceitos. Mas, acima de tudo, acredito que os conteúdos acadêmicos ainda apresentam muitas lacunas no que se refere a acessibilidade, e a partir disso, existe uma forte acomodação das empresas diante de uma legislação que ainda não se faz cumprir.
Marcelo Sales: Uma pesquisa recente do Movimento Web Para Todos indica que 0,74% dos sites no Brasil não possuem acessibilidade adequadas. A Web Acessibility In Mind (WEBAIM) avaliou 1 milhão de sites em todo o mundo e verificou que menos de 2% deles possui acessibilidade adequada. E se 98% dos sites avaliados não possui acessibilidade é porque os times não trabalham com uma qualidade assertiva em seus produtos para esse critério. Os desenvolvedores não conhecem o código semântico adequado, entre outros problemas. As empresas que levam a sério a questão da acessibilidade desenvolvem produtos e serviços para todos e são conhecidas de todos: Netflix, Apple, American Airlines, Emirates, Amazon, Disney. A BBC possui mais de 200 Accessibility Champions distribuidos em diferentes areas de atuação e isso facilita a inclusão e mudança de mentalidade cultural na organização.
Arquivo DUXcoworkers
DUXcoworkers: você tem uma sugestão para os empreendedores que querem implementar soluções de acessibilidade?
Marcelo Sales: Primeiro lugar é não ter pressa. Não adquira uma solução porque ela é rápida. A acessibilidade está em evidência e surgirão cada vez mais essas soluções milagrosas. Desenvolva acessibilidade de verdade, não apenas pensando em compliance ou no cumprimento de legislação. Estou pensando em pessoas e isso envolve pesquisa. Não há solução rápida.
Elias Fernandes: De início, o que discuto muito é não implementar soluções de acessibilidade. É um choque ouvir isso, né? Mas criar dentro do processo da empresa, do negócio, do produto e ou serviço, como missão, como valor e requisitos principais.
“Existe uma forte acomodação das empresas diante de uma legislação que ainda não se faz cumprir.”
Wanda Gomes
Marcelo Sales: Para fazer isso direito você deve capacitar seu time. Designers, profissionais de comunicação, pessoal do marketing. É preciso lembrar que depois que se desenvolveu a solução para a acessibilidade devemos comunicá-la e isso envolve o marketing. É preciso que a comunicação também seja acessível. E quanto à Central de Atendimento? Ela está preparada para atender todo tipo de público? Cabe aos profissionais das empresas identificar essas questões.
Elias Fernandes: Quando falamos de acessibilidade, falamos de tornar acessível e não somente para um grupo de pessoas. Mas como ponto de partida, se não há no meu meio pessoas diversas que possam trazer essa necessidade, colocá-las presentes em nosso dia a dia, em nossos processos de construção, cocriação, pesquisas, como vamos saber? É o mais importante: perguntar para seu usuário.
Wanda Gomes: Vencer as barreiras atitudinais: a eliminação do preconceito e a promoção de pequenas atitudes que confirmam o potencial do ser humano e não a valorização do fator limitante.
Elias Fernandes: Diariamente surgem soluções para auxiliar os surdos e o que faço é ir até eles e perguntar se aquela solução resolve. Isso ajuda e é útil. Não adianta nada eu usar e criar soluções se, por mais inovadoras que elas possam parecer, não atingem seus objetivos. Se não é usada pelo usuário, o que adianta?
Marcelo Sales: É preciso ver a acessibilidade sob o viés da qualidade e não da obrigatoriedade. Não fazer por compliance, mas sim porque querer que os produtos sejam melhores, tenham mais qualidade e possam ser usados por qualquer pessoa sem barreiras de uso. Este é o propósito da acessibilidade.
Wanda Gomes: Como disse antes, muitas soluções aparecerão naturalmente e a maioria com pouco ou nenhum custo. A segunda etapa, conforme o tamanho e complexidade da empresa e de suas necessidades, seria a contratação de profissionais especializados e ainda pouco conhecidos no Brasil, os especialistas em tecnologias assistivas. São especialistas que podem assessorar e/ou participar de equipes para implementação relacionadas a mudanças culturais na empresa desde as experiências de relacionamento internas e externas, estações de trabalho, bem como no desenvolvimento de produtos e serviços.
“Não adquira uma solução porque ela é rápida. Desenvolva a acessibilidade de verdade, não pensando em compliance, no cumprimento de legislação.”
Marcelo Sales
Elias Fernandes: Já prestei consultoria para algumas empresas de como incluir surdos no ambiente de trabalho e me lembro de um diretor que estava presente ao me perguntar: “Quer dizer que pagamos para simplesmente ouvir você nos dizer que a melhor forma de inserir o surdo é perguntando para ele?” Eu dei uma risada confirmando e complementei: sim, e é a coisa mais simples. Mas por causa dos nossos tabus e preconceitos achamos que algo fora do comum, que existe uma mágica pra isso. E não existe.
Marcelo Sales: Acessibilidade é acesso simplificado a comunicação a todas as pessoas onde elas quiserem acessar seu conteúdo. Ouve-se muito que a acessibilidade custa caro. Por que custa caro? Porque não se tem o conhecimento do todo. Porque geralmente, você vai ter que refatorar produtos que você já tinha pelo seu mau planejamento não ter colocado a acessibilidade no início do processo. Se tivesse desde o início não seria caro.
Elias Fernandes: A acessibilidade pode ser simples, se eu simplesmente perguntar, ao meu funcionário, ao meu cliente. Grandes soluções podem ser implementadas se simplesmente observarmos como o usuário interage e ou tenta interagir com o produto e serviço, agora imagina se incluirmos na construção?
Marcelo Sales: Por isso que é importante mudar a cabeça das pessoas, o que tem a ver com a cultura organizacional. Mas custa caro porque essas premissas não entraram desde o início do projeto.
Wanda Gomes: É urgente a adoção do “modelo social” no qual a deficiência é abordada por outro viés, a diferença passa a ser percebida como inerente à condição humana. Por este olhar e através de uma compreensão muito mais ampla, as necessidades do ser humano são um problema da sociedade e não do indivíduo. Afinal, todos estamos sujeitos a nos depararmos com algum tipo de necessidade diferenciada ao longo da nossa vida.
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