O Hyper Festival Brazil 2018 (HFB), que aconteceu no dia 27 de outubro, teve um elevado número de inscritos e workshops com vagas esgotadas, confirmando o crescente interesse do público por Realidades Aumentada e Virtual.
Com a evolução tecnológica, a interatividade e usabilidade surgem como um passo a ser dado para o aumento da adesão do público às Realidades Aumentada e Virtual. Para Melina Alves, CEO da DUX Coworkers, esses desafios não são exatamente novos. “Com o estrondoso sucesso do Pokemon Go, em 2013, pudemos detectar uma interessante equação: o público quer viver a experiência da RA, mas o smartphone talvez não seja o melhor device no que tange a usabilidade”. Quando trabalhou como membro da Insula Comunicação em 2010, participou da concepção do primeiro aplicativo em RA no Brasil, o Presença Bradesco – foi quando começou a estudar caminhos de boas práticas de interação em RA. Ao longo dos anos, Melina, que atualmente é consultora de Design de Experiência, não acredita que os smartphones são o melhor aparelho para uma realidade aumentada imersiva, como o mercado sugeriu com as caixas de papel e óculos que acoplam ao deciced. Ao mesmo tempo, porém, ela não vê isso como um problema, e sim como parte de um processo: “Assim como o baixo índice de adesão às TVs 3D, que tentou levar a experiência da RA ao consumidor, a busca pelo conforto e praticidade no uso da tecnologia é um processo natural de experimentação e desenvolvimento”. A criação de óculos de RA produzidos pela Google e recentemente pelo Facebook, confirmam a preocupação de gigantes do setor com a otimização da usabilidade e da experiência de interação para RA.
Aliás, a interação do usuário é outro ponto importante nessa questão. Estar imerso numa nova realidade ou inserir elementos virtuais em nosso dia-a-dia já não satisfazem plenamente ao público, apesar de despertarem a curiosidade de experimentação. “A produção de hologramas por celulares é algo que interessa e diverte o público, mas será suficiente? Ou as pessoas querem interagir, viver a experiência por completo?”, questiona Melina.
Os desafios para uma tecnologia, que a cada dia se aproxima mais de nosso cotidiano, estão na mesa. E fomos pesquisar no HFB como os consumidores e empresários estão se posicionando para a evolução dessa experiência.
No Hyper Festival Brazil 2018
Estivemos na Escola Britânica de Artes Criativas (EBAC), em busca de soluções para usabilidade e interação em RV e RA — mas encontramos mais questões que respostas.
A fila de entrada para o HFB já apresentava o cenário: geólogos, jornalistas, designers, comerciantes, profissionais do áudio visual, economistas, gamers, empreendedores de diversas áreas e curiosos em geral, trocavam ideias e cartões enquanto aguardavam o credenciamento. Dos bate papos que participei e dos que filei numa e noutra pescoçada, pude perceber que a maioria das pessoas já havia tido contato com as RV e RA, mas não sabiam exatamente onde aquilo poderia chegar. E foi esse, em linhas gerais, o foco das discussões no HFB: onde as Realidades Aumentada e Virtual podem nos levar? Mas curiosamente, a usabilidade passou praticamente despercebida nas discussões.
A experiência é a mensagem
Seja no entretenimento, seja no processo de compra de produtos e serviços, o uso da RV e RA só se justifica se agregar valor à experiência de consumo. “Antes de iniciar qualquer projeto, devemos nos perguntar: há de fato a necessidade da RV ou RA?”. O questionamento que abriu a participação de Francisco Alves, do Studio KWO , no Painel Storytelling Imersivo, resume o momento que vivemos. Com a crescente familiarização das RV e RA por um público cada vez mais diversificado, o uso dessa tecnologia como um penduricalho já não é suficiente. Afinal, como bem pontuou Renato Hurtado, da XCave Reality Studio , no Painel O Futuro da Imersão: “se a pessoa se submete a todo o equipamento da RV, o mínimo que podemos oferecer é uma boa experiência” – colocações que nos leva diretamente a questões que envolvem imersão, interatividade e conteúdo. Quando integrados e bem utilizados, eles intensificam a experiência do usuário. Se recursos sonoros e visuais consolidam a empatia, conceito fundamental de imersão em RV e RA, a interatividade oferece a possibilidade das pessoas fazerem escolhas, potencializando a sensação de presença num ambiente virtual. Nesse contexto, se tivermos um conteúdo que desperte o interesse do público, a imersão estará consolidada. Ou quase.
A questão ergonômica
A usabilidade é um ponto crucial nessa discussão. Quanto mais confortável estiver o usuário, mais à vontade se sentirá e mais aberto à experiência. O uso do celular na RA, por exemplo, está longe de ser o ideal, mas “é o mais familiar e presente no dia-a-dia das pessoas”, conforme alertou Argemiro Lima, do Facebook Brasil. Conclusão, aliás, que Melina Alves chegou em 2009, quando participou do desenvolvimento do o Presença Bradesco, desenvolvido para facilitar a localização das agências: “o celular não era o device ideal pois atrapalhava o deslocamento das pessoas. Como dirigir ou mesmo caminhar tranquilamente se temos que ficar de olho no celular?”. Infelizmente, a usabilidade não esteve no foco das discussões do HFB e segue como um grande desafio aos desenvolvedores de RV e RA.
Interação é liberdade
A possibilidade de escolha é fundamental para a imersão. Se podemos fazer opção por este ou aquele caminho, ou influenciar o ambiente em que estamos, naturalmente nos sentiremos mais parte daquele universo. São nos games que esse conceito está mais consolidado, mas também podemos encontrar aplicativos em RA, voltados para o consumo, que exploram esse atributo. O Roomle 3D/AR Furniture e o Intiaro Interior Design, por exemplo, permite ao usuário colocar virtualmente móveis e utensílios de decoração em sua casa antes da compra. No Painel Investimento e Retorno, Francisco Toledo, da iTeleport , que vende e aluga imóveis apresentando-os remotamente através do escaneamento 3D, afirmou que uma parceria com lojas de móveis e decoração permitirá aos seus clientes colocarem o que quiserem no apartamento ou casa que visitam virtualmente: “mais que sentir-se dentro do imóvel, as pessoas poderão decorá-lo”.
Livre acesso
A criação de conteúdo que interesse às pessoas é outro ponto constantemente abordado pelos desenvolvedores de RV e RA. Se na venda de produtos, o próprio ítem comercializado é o que interessa, o contexto em que se apresenta cria uma experiência de consumo única, potencializando a empatia. Foi pensando nisso que a Contrast VR, o estúdio imersivo da Al Jazeera , produziu um documentário 360 que retrata o dia a dia no campo de refugiados de Za’tari, na Jordânia. Com ele, a ONU aumentou as doações em prol dos refugiados pois quando os líderes mundiais colocavam os óculos RV e assistiam ao documentário, tornavam-se mais que espectadores: eles viviam a experiência de ser um refugiado.
Novamente aqui nos deparamos com o problema da usabilidade. Para que a plateia possa ter a sensação de sair das cadeiras e entrar na história, é preciso que se sintam confortáveis como se nada estivesse entre eles e a realidade que presenciam, pois “há de se convencer o usuário de que ele ESTÁ na história e não é apenas um espectador ou ouvinte”, como bem definiu Igor Sales, da Imersys , no Painel Storytelling Imersivo.
Abrindo caminho no mundo real
Buscar investimentos para desenvolver produtos de RV e RA foi outra questão relevante no HFB. Com o crescente interesse popular por essas tecnologias, a tendência é que o budget dos investidores para o setor aumente. Se por um lado, empresas como Arkave e Beenoculus contaram com um significativo aporte inicial, outros projetos e ideias não tiveram o mesmo apoio – o que não impediu avanços significativos no setor. Francisco Toledo tirou do próprio bolso o capital para desenvolver o iTeleport e Leandro Sarubb iniciou a VR Gamer com um óculos e alguns amigos aficionados por games, conforme relatou no Painel Investimento e Retorno: “estávamos jogando em casa com um óculos que havia acabado de trazer dos EUA. Vendo meus amigos, pensei que aquela diversão deveria interessar a muita gente. Juntei o dinheiro que tinha, comprei outros óculos e fundei a VR Gamer”.
Mas não é só a busca pelo dinheiro que desafia os desbravadores do mundo virtual e aumentado. A geração de conteúdo imersivo é um desafio constante que pode ser vencido pela experimentação. O quadro do Fantástico da Rede Globo, Fant360, é um ótimo exemplo. Marcelo Sarkis, da TV Globo, relatou no Painel Jornalismo Imersivo sua experiência: “fomos para a África do Sul fazer nossa primeira matéria em 360, mas não sabíamos ao certo o que fazer. Então, num safari, uma onça se aproximou e se deitou no capô do carro. Ligamos a câmera 360 e ficamos em silêncio. Renata Ceribelli, com seu instinto jornalístico, começou a narrar o que sentíamos naquele momento. Gostamos muito do resultado! Foi assim que descobrimos a linguagem que usaríamos no quadro”. Flavia Martins, do Portal R7, tem uma história semelhante. Na reportagem “Rio São Francisco: um rio que agoniza”, ela resolveu colocar a câmera 360 num bote com dois pescadores e os deixar à vontade, sem sua interferência jornalística. “Eu só peguei meu material a noite, quando estava no hotel; eu não sabia, até então, se estava bom ou não”. A reportagem ganhou força imersiva e repercutiu em vários países.
Responsabilidade social
“É preciso pensar em experiências que humanizem as pessoas. Essa é nossa responsabilidade”. Rodrigo Hurtado, propôs que as criações em RV e RA não deixassem de lado questões socias e humanitárias. Antes, Aline Pina, do XRBR | Brazilian X-Reality Hub, no Painel Cases de Produção Imersiva, citando um aplicativo em RA que estimulava a doação de sangue em Londres, mostrou a mesma preocupação: “uma ferramenta de consumo pode também ajudar as pessoas”. No Workshop Produção 360, esta responsabilidade também foi levantada por Nelson Porto, do Studio KWO, quando citou um estudo que comprova que as experiências em RV podem ser assimiladas pelo cérebro como um evento que aconteceu de verdade na vida das pessoas: “é preciso ter cuidado para não gerar traumas nos usuários. Devemos ter responsabilidade em nossas criações”.
De volta à fila
Há muito o que se caminhar, como bem definiu Nelson Porto, no “vasto campo de impossibilidades” das Realidades Aumentada e Virtual. A geração de conteúdo, o desenvolvimento de uma narrativa que contemple a interatividade do usuário nas produções cinematográficas e a questão da usabilidade ainda tem muito a ser desenvolvido. Por outro lado, o crescente interesse do público pela experiência Virtual e Aumentada tem fomentado avanços importantes e aberto espaço para diversos tipos de profissionais. “Por não saber ao certo onde tudo isso vai dar, a experiência do desenvolvimento da RV e RA está aberta para todo tipo de profissional. Essa diversidade aliada às restrições orçamentárias que enfrentamos, potencializa a inovação”, resumiu Beatryz Rodrigues, Pesquisadora de Futuro, no Painel O Futuro da Imersão. O que pra mim, já não era novidade.
Numa conversa que tive com a geóloga Patrícia Procópio ainda na fila de entrada para o HFB, ela me contou que perdia muito tempo explicando seus projetos, sempre correndo o risco de não ser plenamente entendida. Ela então comprou uma câmera 360 e contratou um pessoal que estava começando a trabalhar com Realidade Aumentada. Passou a fazer vídeos 360 no qual a RA mostrava visualmente as condições do terreno e o que poderia ser feito nele. Quando apresentou sua primeira produção ao chefe, ele se espantou: “Esse projeto é ótimo! Por que você não me mostrou isso antes?”. Vendo o projeto que havia feito sobre uma mesa da sala, pensou em dizer que tudo aquilo estava ali há meses. Mas antes que respondesse, concluiu que a questão ali não era mostrar, mas proporcionar uma nova experiência ao chefe.
Ética e futuro das relações humanas
Voltando para a DUXcoworkers, Melina Alves trouxe um ponto de vista importante nesse diálogo: “a nossa sociedade está cada vez mais descrente do real. Hoje, muitas vezes desconfiamos da conversa dos outros, queremos valida-la buscando no Google, Wikipedia ou outras fontes, a veracidade da informação. A palavra está em descrédito e precisa do apoio virtual para se fundamentar. Mas em um momento em que o Fake News tem sido extremamente usado por marcas, empresas e pessoas, e as instituições sólidas estão em descrédito pelas novas gerações, como identificamos em pesquisas internas na DUX, onde a sociedade pode se apoiar em um extremo de virtualização das relações humanas?”. Nesse aspecto, a DUXcoworkers trabalha com os clientes e grupos de designers e pesquisadores uma rotina de encontros sobre ética, desejos, e colaboração como temas determinantes para direcionar as experiências virtuais como papel social da empresa.
Para conversar ou promover um encontro sobre RA, RV e ética, sociologia e desejos – como impacta a sociedade que vivemos e na sociedade que desejamos? – entre em contato com a DUXcoworkers pelo [email protected] ou pelo Whatsapp no (11) 99370-4770.