Este artigo é referente ao episódio UX Research para cidades inteligentes, do Podcast UXcoffee, que traça um paralelo entre o universo do UX Research para Cidades Inteligentes, explorado na última edição do UXcoffee Conversa Estruturada, e a experiência urbana que o Elevado João Goulart, o popular Minhocão, oferece ao cidadão paulistano.
De um lado a busca por uma cidade que se desenvolve para e com as pessoas, e de outro um case de mobilidade às avessas em que uma decisão tomada por poucos impactou a vida de milhares de pessoas, que jamais foram ouvidas.
Como você vê a importância da cultura de pesquisa em cidades inteligentes?
UX Research tem o olhar qualitativo sobre as questões. Se a discussão tem como tema as cidades, esse olhar é fundamental para que a decisão da administração pública não possa gerar mais transtornos a população do que o problema que deveria resolver.
O Minhocão é um exemplo: construído sem nenhum tipo de consulta popular, ele trouxe a degradação a uma região próspera da cidade sem ter resolvido o problema para o qual foi construído.
“Quando você dá voz a quem não é visto, faz uma cidade ser inteligente”
Poliana Alves
As cidades são um ecossistema diversificado com regiões que possuem particularidades que as diferenciam uma da outra. E é comum que essas comunidades sejam diferentes. Essas diferenças são o maior patrimônio das cidades. É na diversidade cria um ambiente favorável à inovação.
A necessidade é a premissa da pesquisa
A relação da necessidade com uso nos fornece caminhos interessantes para pensarmos a cidade. Se pensarmos em tudo que usamos e fazemos na cidade porque precisamos, e não porque gostamos ou escolhemos, podemos ter uma ideia do tanto que somos levados em consideração nas tomadas de decisão da gestão pública.
“A pesquisa é o ponto de partida para qualquer discussão sobre evolução e desenvolvimento.”
Mariana Moreno
A pesquisa é o ponto de partida de todo tipo de evolução. Sem ela, as decisões são arbitrárias e dificilmente resolverão o problema ao qual foram destinadas. Mas certamente, criarão alguns que não existia.
O tempo e a mobilidade
As principais justificativas da construção do Minhocão foram o aumento do fluxo de veículos na Avenida São João, que era um dos poucos acessos à Zona Oeste da cidade a partir do Centro, que reforçou a necessidade de pensar em uma ligação direta entre as duas regiões de São Paulo. O problema foi que a solução pensada se limitou a um elemento: o carro
A relação tempo e mobilidade é uma catalisadora de ideias. Deslocar-se em menos tempo é um desafio antigo, que motivou a invenção do carro. Hoje, são inúmeros aplicativos que têm o intuito de nos mostrar formas de otimizarmos nossa movimentação nas cidades em função do tempo.
“Existem diferentes objetivos nos deslocamentos (das pessoas) pela cidade. A gente só entende o que é valorizado neles com a pesquisa. Com ela, podemos encontrar soluções conforme a conveniência das pessoas. ”
Flavia Dantas
O carro já teve esse papel. Foi uma tecnologia que utilizamos sem pensar nas consequências que hoje lidamos. Praticamente todos os problemas de mobilidade que lidamos hoje tem origem no automóvel.
Mas não podemos pensar em soluções para o mobilidade levando e conta apenas o automóvel. As rotas e distâncias percorridas frequentemente pelas pessoas em uma cidade e o tempo que levam nesse deslocamento são variáveis importantes para entendermos o trânsito na cidade.
“A estrutura da cidade em função do centro já é prejudicial porque não gera a conveniência nas proximidades. Ela parte da premissa da conveniência ligada à locomoção, desqualificando a ideia de conforto e acessibilidade”
Melina Alves
Quando ela tem uma estrutura central, ou seja, é no centro da cidade que as pessoas resolvem sua vida, os grandes deslocamentos se tornam necessários e seu uso ganha proporções que excedem a capacidade da estrutura viária.
Repensar essa forma estrutural das cidades, trazendo soluções das suas margens para o centro é uma interessante forma de entender questões de mobilidade que vão além dos veículos.
Cidades inteligentes
A tecnologia é uma premissa das cidades inteligentes. Mas isso não quer dizer que elas não podem ser humanas. A tecnologia é um meio e o conforto das pessoas a sua finalidade fim. É para facilitar nossas vidas que ela é desenvolvida.
Mas não vamos esquecer dos carros. Não podemos deixar que tecnologia cause mais danos Embora ela seja necessária, é preciso estar atento a uma diferença fundamental entre cidades e a tecnologia: o tempo de resposta.
“Não podemos repetir na cidade os erros cometidos com a tecnologia sob pena de gerarmos consequências catastróficas para a humanidade.”
Melina Alves
Enquanto um problema tecnológico possa ser resolvido em uma atualização, a cidade pode levar décadas para resolver uma questão mal pensada. O Minhocão é um exemplo disso. Em função de uma tecnologia a qual nos tornamos dependentes (o carro), permitimos que uma obra como a do elevado fosse aceita sem a participação cidadã na tomada da decisão.
Um monumento à falta de empatia
Esse mau uso da tecnologia, feito sem que pensássemos nas consequências gerou problemas que excedem a questão da mobilidade, que também não foram respondidas efetivamente. Há 49 anos, o Minhocão está em pé, lembrando-nos todos os dias dos impactos que a falta de pesquisa, tanto para entendermos as consequências da tecnologia como canal de escuta da população.
É preciso prestar atenção nas cidades e a tecnologia para que caminhem juntas no desenvolvimento de cidades interativas, inteligentes e humanas.
“Você tem direito à cidade”
Danny Simões