“Acreditamos que boas experiências têm o poder de impactar positivamente tanto a vida das pessoas quanto os negócios. Nosso objetivo é aproximar as pessoas, criando um senso de comunidade ao redor das disciplinas relacionadas a User Experience Design. Para tornar isso possível, criamos a UXConf BR, uma conferência destinada a discutir os mais variados tópicos sobre Design de Experiência a qual tem atraído designers de todas as partes do Brasil e também de outros países da América Latina.”
Você encontra essa descrição ao acessar a edição de 2017 no site do UXconf BR – que aliás, nos dias 16, 17 e 18 de maio deste ano, viveu sua quinta edição. Por ser um texto que trata do UXconf BR escrito pela sua própria equipe, não é difícil julga-lo como um texto que exagera nas suas qualidades e virtudes, podendo até criar um clima para evento que não corresponde à realidade. Afinal, quem já não esteve em um lugar ou comprou um produto ou serviço que nada tinha a ver com o que foi oferecido?
Mas certamente este não é o caso do UXconf BR.
Idealizado por Pedro Belleza, Rafael Helm e Thiago Esser, o UXconf BR se tornou uma das principais conferências sobre Design de Experiência do Usuário no Brasil. A cada ano, aumentam o número de inscrições e de palestrantes que abordam um tema central sob o ponto de vista das diversas disciplinas relacionadas ao UX. Em 2019, cinco workshops e trinta e três palestras giraram em torno da Mudança nas Culturas de Liderança pelo Design, um assunto muito em voga na comunidade UX, mas que ainda tem uma modesta participação nas conversas decisórias das empresas como um todo.
Pitchings
Os palestrantes têm entre 15 e 30 minutos no palco, que exige muita agilidade da organização do evento. E acredite: esse tempo é rigorosamente cumprido (em alguns casos, ainda sobram uns inacreditáveis minutos para as perguntas da plateia) e as palestras cumprem o cronograma praticamente sem atrasos.
Esse ritmo de pitiching, muito comum na indústria audiovisual, valoriza a objetividade no tratamento de cada assunto, reduz a possibilidade de dispersão dos ouvintes e dá ao público uma visão multidisciplinar do tema central do evento.
A abordagem enxuta dos assuntos de cada palestra gera a oportunidade da percepção de diversos pontos de vista sobre uma mesma disciplina do UX.
Mas esse formato gera uma inevitável dúvida: será possível sair dessas palestras com o desejo de conhecimento plenamente satisfeito?
Não, isso realmente é impossível. A maioria das pessoas presentes nas palestras têm mais dúvidas quando o cronômetro zera do que no momento em que foi disparado.
Mas é justamente aí que o texto descritivo que abre este artigo começa a fazer sentido.
Gostinho de quero mais
Distribuídas em dois dias, as palestras acontecem sequencialmente, uma após a outra, com um tempo mínimo que as separa. Os intervalos acontecem em dois momentos da programação: almoço e coffee break. Quando as pessoas saem dos auditórios após essa saraivada de informação, elas só querem saber duas coisas: comer e sanar a curiosidade despertada sobre o assunto que ouviram, já que o tempo curto das palestras, como levantado anteriormente, não permite que ele seja esgotado.
É juntar a fome com a vontade do saber.
Nesses intervalos, principalmente na parada para o café, as conversas se intensificam. E sempre com a presença dos palestrantes, que não se furtam a entrar num papo com o público entre um e outro cafexinho. O UXconf BR também tem essa qualidade: todos fazem parte da mesma comunidade, seja um jovem aprendiz, ou um experiente profissional palestrante. A integração entre as pessoas é intensa e se dá de uma forma natural, que vai muito, mas muito além da troca de cartões.
As palestras são um estopim para a intensa troca de ideias e experiências entre todos os participantes do evento.
Comentar o que entendeu e o que não entendeu chega a ser um ato involuntário, uma latente necessidade intelectual.
Os pensamentos começam a se complementar, a curiosidade de um encontra arrego no conhecimento da outra, que tem uma explicação diferente para aquela questão tratada num projeto que esse cara aqui estava envolvido. Projeto aliás, que aquela garota que está logo ali, tomando café e conversando com aquele palestrante, participou e desenvolveu uma solução semelhante à citada na palestra daquela mulher ali, que está conversando com o rapaz que me deu uma explicação incrível sobre o desenvolvimento do aplicativo em que estava evolvido essa moça que…. não dá pra quantificar a intensidade da troca de ideias e experiências que acontece nesse momento.Se o objetivo do UXconf BR é aproximar as pessoas, criando um senso de comunidade ao redor das disciplinas relacionadas a User Experience Design, ele é plenamente atingido.
E com folga.
Café no chimarrão
Não é de hoje que a DUXcoworkers apoia o desenvolvimento do UX nacional e aposta na capacidade do profissional brasileiro em encontrar soluções inovadoras e voltadas para o usuário. E o UXconf BR, por tudo o que representa para a comunidade UX no país, é um antigo parceiro dessa empreitada.
A provocação é o combustível da inovação. Quem não provoca e não se permite ser provocado, permanece estagnado no lugar comum.
Não por acaso, pelo segundo ano consecutivo, a DUXcoworkers levou o UXcoffee para Porto Alegre, colaborando com a integração e interação dos participantes do UXconf BR. Se as conversas já se desenrolavam sem travas na língua, quando acompanhadas por um delicioso café, vão ainda mais longe. E como a busca pelo conhecimento foi uma constante, o UXcoffee aproveitou pra provocar o público do UXconf BR, estimulando ainda mais a troca de ideias e experiências, debates e reflexões. E você pode sentir o gostinho dessas experiências ouvindo o podcast , o podcast da DUXcoworkers que traz um pouco do clima vivido no UXconf BR, com entrevistas e provocações. E, é claro, saborosas doses de café.
Vai lá, ouça agora e sinta a vibe do UXconf BR 2019.
E a gente não poderia deixar de falar da Baden Caés Especiais que levou um menu de café delicioso e atandeu a todos com competência e alegria.
Mesa redonda
A gente bateu um papo com Melina Alves, CEO da DUXcoworkers que nos contou suas impressões sobre as palestras do UXconf BR 2019 e traça um panorama do UX no Brasil.
Pra começo de conversa: é possível transformar lideranças com o design?
Melina: Sim, mas na minha opinião, este é apenas o primeiro passo dessa transformação cultural das empresas no sentido de entenderem o design como um ponto estratégico de gestão de lideranças . O segundo passo, e mais virtuoso, será dado pelo próprio usuário que é o mais poderoso agente provocador de mudanças. Mas esse é um assunto pra outro cafezinho.
Pelo que você viu no UXconf BR, essa transformação é uma realidade?
Melina: É uma realidade, sem dúvida, embora a gente esteja, numa visão geral, em um estágio embrionário da transformação. Vou dar dois exemplos que foram apresentados no UXconf BR. O Érico Fileno trouxe pra gente sua experiência transformadora do design como cultura organizacional e de inovação na VISA. Lá, há o entendimento do valor da pesquisa e da criação de mecanismos de estudo do comportamento do usuário como fonte de inspiração no desenvolvimento de produtos inovadores.O produto ainda é o foco principal, mas já podemos vislumbrar a possibilidade de transformação através do design na camada de negócio. Se por um lado os líderes empresariais não estão tão comovidos com as vantagens estratégicas que podem ser proporcionadas pela adoção das práticas de UX na gestão de lideranças, por outro é um indicador de como isso vem se tornando um propósito, principalmente nos pólos de inovação das empresas tanto de quem desenvolve a tecnologia como de quem está na liderança de novos negócios.
Já o BRADESCO está num estágio mais avançado nesse sentido. A Patrícia Sarro e o Marcelo Salgado mostraram que as práticas de UX e do design de experiência estão consolidados no banco. E disso eu sou testemunha: a DUXcoworkers é parceira do Bradesco há muito tempo e eu vi, ao longo desse tempo, sua equipe de UX passar de três funcionários para um departamento estabelecido com 20 profissionais. Essa equipe de UX tem desenhado produtos do banco cuja percepção da relevância dessa disciplina na estratégia, comunicação e desenvolvimento de produtos digitais é uma realidade. Podemos dizer que a cultura de UX no Bradesco está num nível intermediário, ao passo que outras empresas, como a VISA, estão num estágio inferior, mas evoluindo.
Podemos dizer que, nesse sentido, o CESAR está num estágio mais avançado?
Melina: Na verdade, o CESAR desenvolve tecnologia para outras empresas. A comparação é delicada já que o drive é desenvolvimento, mas pelo que entendi, nos últimos anos o design de experiência vem sendo trazido como cultura para apoiar as decisões de produto. Desde 2014, como nos contou o Eduardo Peixoto, eles vêm implementando técnicas de UX no desenvolvimento tecnológico em um ambiente fechado de desenvolvimento de software. A equipe também tinha esse foco único, digamos assim. Hoje esse time é multidisciplinar pois houve a promoção da entrada de outros designers na equipe. Eles entenderam que a diversidade de conhecimento, experiências e expertises é sempre construtiva, uma aliada do processo inovador. Mas, pra responder seu questionamento, o CESAR ainda apresenta um desenvolvimento muito focado no produto, com visão de produto e interface, que no final das contas é a operação do CESAR: o design na linha de produção.
Mas ainda dentro desse ambiente tecnológico, eu queria ressaltar a palestra do Rafael Burity.
Eu vi. Foi muito legal.
Melina: Muito mesmo. E se transformar a cultura organizacional de uma empresa já é um baita desafio pra qualquer um, imagina numa empresa com uma cultura militar? E o Rafael está superando os obstáculos desse ambiente. Passo a passo, com paciência e foco, está mostrando o valor estratégico de uma gestão voltada para o design de experiência dentro dessa estrtura organizacional. E qual a maneira que ele encontrou pa iniciar esse processo? Conversando durante o cafezinho.
Ele criou um UX Café, né?
Melina: Exatamente! Uma adorável coincidência! E nesse espaço de conversas e cafés, ele conseguiu estabelecer um clima mais informal e de confiança para desenvolver um formato de gestão de liderança. Ou seja, a transformação é possível e, voltando ao inicio da nossa conversa, é uma realidade. É um movimento que vem sendo desenvolvido, principalmente em empresas de desenvolvimento de softwares, mas que pode avançar para outros setores. Não há dúvidas de que o mundo corporativo começa a olhar para o design de experiências como um caminho inovador, mas a questão é situa-las na Curva de Maturidade de Inovação e entender em que nível de maturidade estão para poderem abraçar essa disciplina em condições de promoverem transformações inovadoras efetivas.
É um avanço que já acontece?
Melina: A cultura do design de liderança está chegando ao setor público e tem gerado impactos bastante positivos, tanto na gestão como nos serviços. Na palestra da Ana Maria Tannus, que a DUXcoworkers tem o prazer de contar no seu time de coworkers, tivemos uma ideia do panorama atual do setor no que tange a esta transformação. Há o desenvolvimento de projetos focados em pessoas, com a criação de um ambiente de diálogo e colaboração, de transformação cultural e digital. E o mais legal é que os funcionários públicos têm se engajado nesse processo. A Ana até fez um brincadeira em sua palestra, mostrando o Lineu, o personagem do Marcos Nanini na série A Grande Família, que já não representa o perfil de quem trabalha no Estado. Esse perfil tem mudado com uso design no setor público.
Eu gosto muito quando fazem esse tipo de comparação porque facilita o entendimento a partir de um exemplo muito conhecido, deixa o assunto mais próximo das pessoas.
Melina: Sem dúvida. E foi uma comparação muito feliz. Mas, é claro, essa transformação encontra barreiras como em qualquer outra organização administrativa. No setor público, o desafio é criar um ambiente de ganho de confiança entre os funcionários e lideranças a partir das entrevistas e conversas, para mostrar o valor das mudanças e como essa proposta transformadora pode ser consistente.
Mas você disse que os impactos também são sentidos nos serviços públicos.
Melina: A Patrícia Prado mostrou como a Inteligência artificial e o UX pode otimizar o atendimento do serviço de atendimento emergencial da Polícia Militar, o popular 190. No Brasil, temos mais de 30 números emergenciais, 37 se não me falha a memória. Ninguém sabe quais são. Pra piorar, o 190 é o primeiro que a gente pensa quando precisamos desse serviço. Porém, o 190 é o numero exclusivo para ocorrências policiais. Assim, se você precisar chamar o corpo de bombeiros ou uma ambulância, não adianta ligar nesse número. E é o que mais acontece, provocando um imenso fluxo de chamadas que sobrecarrega o sistema e dificulta muito a eficiência deles. Além disso, há um alto índice de trotes, que tumultua ainda mais a situação. A cultura do design de liderança nesse cenário pode reduzir a jornada dos atendentes ao mesmo tempo em que aumenta a eficiência do serviço através do desenvolvimento de um sistema que dê acesso mais inteligente aos usuários através de um algorítimo de Inteligência Artificial capaz de identificar, por exemplo, um trote ou qual serviço emergencial o usuário precisa quando faz a ligação.
As transformações que o design proporciona quando assimilado pela cultura organizacional como um diferencial estratégico do negócio, fica restrito ao ambiente empresarial?
Melina: Não, e aí está outro ponto super importante nesse processo. E o UXconf BR foi muito feliz em trazer essa extrapolação dos limites dessas mudanças para o debate. O design como modelo de gestão de lideranças causa impactos sociais. A Bianca Guerra abordou as transformações que a Lei Geral de Proteção de Dados vai mudar a forma de interação, no que diz respeito ao uso de dados entre empresa e usuários. Ela vai ter que deixar de ser invasiva. Esse novo cenário traz transformações significativas para quase todos os setores da economia que serão melhor assimiladas com o design atuando na gestão de lideranças. Essa transformação traz muitos desafios às organizações, mas também oportunidades. É preciso saber identifica-las e aproveita-las da melhor maneira, levando em conta o usuário que terá o poder da informação em suas mãos. O cenário não poderia ser mais propício para a utilização das práticas de UX. A Fernanda Magalhães trouxe aspectos culturais para refletirmos quando levantou questões quanto às barreiras do UX no o desenvolvimento de aplicativos de relacionamento em países islâmicos.
A Claudia Sciré, outra coworker que nos dá muito orgulho, tratou da relação de poder em uma pesquisa. Como o entrevistador pode obter os melhores resultados em seu trabalho se há obstáculos para que o entrevistado se sinta à vontade para falar e expor suas opiniões e pontos de vista, se volta e meia está sendo entrevistado num ambiente que não lhe é confortável? Isso passa pela transformação que estamos discutindo, pelo entendimento de quem é aquele entrevistado, que é o usuário. A própria Ana Maria Tannus, quando palestrou sobre a transformação digital no setor público, traz à tona os impactos sociais positivos dessa transformação, trazendo a multidisciplinaridade do setor público como fator de proposição de projetos mais eficientes e voltados às pessoas. Está tudo conectado, percebe? São projetos e proposições voltados para uma maior eficiência e mais focados nos usuários.
Por isso, quando falamos na mudança da gestão de liderança pelo design, estamos falando num efeito cascata que causa impactos desde a visão dos líderes, passando pela cultura organizacional e tendo reflexos em aspectos sociais. A Ana Cuentro, que nos brindou com uma ótima palestra, foi muito clara nesse sentido quanto à possibilidade nada remota do constrangimento positivo na acessabilidade causar essa cadeia de choques do bem, que vão da liderança ao impacto social.
Pra terminar, vamos fazer um ping-pong? Pra você responder de bate pronto?
Melina: Olha lá o que você vai perguntar, hein?
Deixa comigo. O Robson Santos e a Karen Santos, do UX para Minas Pretas e a Mariana Vanenzela e a Carolina Sepulveda, do + Mujeres en UX foram quem os representantes da diversidade no UXconf BR. Como você, como desnger de experiências e gestora delideranças, vê essa questão?
Melina: A diversidade e o UX caminham de mãos dadas. Não dá pra pensar em boas práticas de UX e no design como gestor de lideranças são eles. Ambos compõem a mesma filosofia, de proporcionar a melhor experiência para TODOS os usuários. Mas os times de UX ainda são muito homogêneos. E o profissional de UX é o porta voz dentro das empresas, dessa filosofia. Ele deve ser o primeiro a exigir o respeito a diversidade e almejar trabalhar em equipes heterogêneas. Por que isso é vital para o desenvolvimento de soluções inovadoras e para sua própria carreira no que tange a riqueza de conhecimento e experiências que a diversidade oferece. Isso sem falar n o desenvolvimento da empatia nesses profissionais. Mas, na realidade, quem manda é quem contrata e esses decisores ainda não tem consciência da questão.
E por falar em profissionais do UX, pelo que vimos no UXconfBR, dá pra dizermos que eles estão mais maduros para trabalhar em UX e explorar todo o potencial de suas disciplinas?
Melina: Sem dúvida. Eles estão mais próximos de uma relação de negócios, mas ainda falta o que acabei de dizer: empatia. A mesma empatia que dispensam aos usuários, devem ter com os chefes e demais líderes da empresa.
Como você sente o momento do UX no Brasil no que tange à assimilação de sua importância para as empresas?
Melina: Ele ainda é visto mais como um diferencial de mercado, uma forma de provocar um ponto de vista sobre si mesmo que o destaque da concorrência. O que o UX representa de verdade ainda não foi compreendido, principalmente em termos estratégicos. Falta, e muito, a participação efetiva do usuário nos processos de desenvolvimento das corporações.